Eu me lembro… Que tudo começou com fogo.

Era uma noite tranquila na residência da minha família quando uma labareda vindo dos céus atingiu o telhado da velha mansão. O estrondo pode ser ouvido de longe como diz o relato dos guardas daquela noite. Mas embora seus ouvidos e olhos tivessem visto o estrago causado, ninguém pôde identificar quem havia cometido tal pecado.

O fogo se espalhou tão rápido quanto o sangue de um corte em uma artéria. Lembro de ver as chamas, elas pareciam cobras, rastejando em minha direção. Ela me abocanhou e marcou minhas mãos e pés para sempre. Por pouco, a minha babá que dormia comigo me tirou da boca daquelas serpentes antes que elas me engolissem. Sinceramente, até hoje não sei se eram serpentes de verdade ou não, pois eu só tinha seis anos de vida quando tudo aconteceu, mas as marcas daquele dia nunca foram embora.

Infelizmente, hoje não posso agradecer pessoalmente a minha babá por ter salvo minha vida, mas ela sempre terá meu eterno agradecimento quando de algum modo em um momento em que as chamas iria engolir nós duas, ela conjurou um portal e me empurrou para dentro dele, fechando o mesmo antes que eu pudesse olhar para trás…

Me lembro da grama, do cheiro de terra molhada e de barulhos estranhos… Eu não sabia onde eu estava, mas sabia que estava sozinha. Infelizmente eu já era míope desde aquela época e a floresta fechada junto a noite escura fizeram meus olhos pregarem peças em mim. Tudo parecia assustador. E tudo era assustador. Meus pés e mãos doíam muito, ainda hoje consigo sentir essa dor se eu parar para me lembrar dela. Tentei o que pude, mas não conseguia correr e ir muito longe por conta da dor. Consegui apenas me esconder dentro de um tronco de árvore caído.

Eu chorava… Chorava e gritava pela minha mãe e pelo meu pai que eu jamais veria de novo em vida… O choro, marcado pela dor e o cansaço me levaram ao limite e acabei desmaiando, não sei dizer se foi horas ou minutos depois de tudo ter acontecido, só sei que quando acordei, ainda era escuro e meus olhos puderam ver novamente aquela serpente de fogo próxima a mim. Gritei alto e quando a mesma se aproximou, uma figura masculina bem alta se pôs entre nós, acabando com o fogo que vinha atrás de mim. - Pa…pa?- Eu perguntei a aquele que havia me salvado, mas ele não era meu pai. Infelizmente, até hoje não sei quem foi o meu salvador e não pude agradecê-lo.

Só me recordo de flashes a partir daí… Lembro que o homem tinha uma presença única e que suas mãos e olhos eram frios. Havia algo em seu rosto, mas na época eu não soube dizer o que era, hoje desconfio que talvez isso seja alguma cicatriz, mas tais ferimentos não são comuns em humanos e sua presença definitivamente não era como nenhuma outra que eu já sentira na vida… Me lembro que era parecida com o fogo mas…Enfim. Passei o restante da noite no colo dele, lembro-me de uma suave canção sair de seus lábios. A canção era suave e serena, porém melancólica. Eu não me lembro do rosto de meu guardião, mas me lembro de seu tom de voz grave e confortável que me ninou naquela noite e curou o mais grave de minhas feridas.

Na manhã após aquele trágico ‘’incidente’’. Acordei em um hospital, com mãos e pés enfaixados e nenhum sinal do homem que havia me salvado. As enfermeiras disseram que eu havia sido encontrada já em um dos quartos do hospital e que não sabiam como eu havia parado ali. Recebi todos os cuidados necessários, mas as marcas de queimadura ainda estão sobre minhas mãos e meus pés.

Com minha família perdida, o clã Evergreen possuía apenas uma única herdeira de cinzas e sangue. Eu era o que restava de um clã cuja a história e a reputação datavam séculos e séculos a fio… Não tinha primos, não tinha tios e nem irmãos… O meu sangue era o único que restava de uma das mais antigas linhagens de curandeiros de batalha. Tudo o que está escrito sobre nós hoje, vem de outros clãs, mas a essência de meus ancestrais e suas técnicas de cura viraram cinzas ao vento assim como toda a minha herança.

Por piedade de outros clãs, pude ser adotada e criada sobre as asas dos aliados dos meus pais, mas claro eles tinham receio de que a desgraça do fogo se voltasse a eles por me acolherem de baixo de seu teto… Por isso, nunca passei mais de um ano na mesma casa, a mudança só acabou quando uma das famílias viu meu potencial e decidiu me acolher definitivamente. Estudei, estudei e estudei o máximo que eu podia sobre meu passado e sobre como utilizar as técnicas de cura mais eficientes, esse era um foco, um objetivo que eu tinha… Pois do mesmo jeito que minha babá me tirou das chamas e meu salvador desconhecido cuidou de mim no meu momento mais critico, eu queria cuidar para que nenhuma criança ou adulto sofresse com as mazelas do mundo. Mas para isso, eu deveria me tornar uma médica de combate, assim como os meus pais antes de mim.

O caminho não foi fácil, mas com a junção de informações repicadas de outros clãs, consegui  ter uma ideia melhor das habilidades de minha família e adaptar um novo estilo Evergreen, agora criado por mim. A prática veio com o tempo enquanto eu ajudava os necessitados dos distritos mais pobres, minha caridade gerou sorrisos de agradecimentos e os olhos dos mais poderosos a respeito de mim. Não demorou para eu ser convidada a entrar na 4a Divisão. A honra foi grande e assim pude exercer mais de minhas habilidades com eles, escalando de patente até chegar a onde estou hoje... E bem, espero que aqui, eu possa fazer o que mais desejo em vida, ajudar e proteger os que amo, como fui protegida e ajudada no passado...