- Qualquer tempo que eu conseguisse passar longe daqui seria uma vitória.- Eu dizia para mim mesmo já sentindo certo remoer nas minhas tomadas de decisões. O clima quente do dia não ajudava, eu ter perdido cada vez mais sonecas também piorava um pouco mais a situação, mas eu sabia que se fosse pra encontrar qualquer tipo de respostas eu teria que ir até aquele lugar amaldiçoado. Aquele pequeno conjunto residencial mais afastado do resto do distrito, esquecido por montanhas e montanhas de papéis e burocracia do Gotei 13. Marcado pela destruição que um hollow pode causar, marcado pela arrogância de um tenente e pelo heroísmo de uma capitã.

Não gostava de lembrar daquilo, acho que foi quando comecei com as constantes sonecas e "ausências" inexplicáveis. O jeito mais fácil de passar o dia é simplesmente jogando horas e horas dele fora dormindo e entre constantes pesadelos enquanto acordado e constantes memórias da minha maior falha, eu iria de pesadelos de qualquer dia. Me perdia nos meus pensamentos enquanto avançava até as casas destruídas, sendo agora cobertas por um fino véu da poeira do chão de terra batida. Ao tocar os pés naquele lugar, meus instintos eram claros toda parte do meu corpo gritava para fugir dali mas eu sabia como é a experiência de falar com ele.

Ah sim, ele, como pude esquecer que tinha vindo aqui falar com ele. A cada passo que dava em direção a casa principal, eu lembrava cada vez mais de quem havia ido conversar. Uma figura alta, esguia empunhando Taiyōhime também seu rosto nunca me foi revelado afinal de contas ele sempre está usando aquilo, uma máscara que lembra a de um guerreiro, ah sim, é assim que ele se entitula, um guerreiro de sua Alteza. Não usa vestes de shinigami, ou de alguém da seireitei nada que eu há visto em meu tempo no mundo dos humanos também.

Respirei lentamente, quase como se eu tivesse que reaprender a fazê-lo toda vez que me encontro naquela entrada - Toda vez esse lenga, lenga. Não é a toa que seu nome é Issun, apenas um guerreiro minúsculo. - Meus olhos fitaram a figura que se encontrava no lado oposto daquele salão, algo entretanto estava diferente, eu podia ver seus cabelos bagunçados e carmesins pela primeira vez em todas as minhas visitas ele estava sem mascara e sentado. Ele então se virava, revelando uma visão que me fazia de fato perder o fôlego que lentamente consegui naquela porta.

A figura que me encarava, era eu;  - Qual é o problema dessa vez, Causamortis? -

- Você - A minha trêmula voz mal proferia as palavras que eu queria dizer, a minha mão, por reflexo ia diretamente ao cabo da zanpakutou apenas para a disseminação de um calafrio por todo o meu corpo, a minha zanpakutou não estava em sua bainha, voltando meus olhos para a figura que vestia o meu rosto eu via então, no meio do caminho que a zanpakutou estava ficanda no chão, em um dos únicos painéis de madeira restantes daquele decrépito edifício onde estávamos - Alteza? Quando foi que... - Antes que eu pudesse terminar a pergunta a minha zanpakutou eu me lembrei o exatamente de ter ido ali.

Uma dor aguda surgia repentinamente na cicatriz localizada no meio de meu nariz, a dor por sua vez era excruciante rendendo me perante aquela situação inteira, eu caía de joelhos esforçando me para manter o meu queixo erguido. Usava os joelhos e uma das mãos de apoio, enquanto uma das minhas mãos ia de encontro a fonte da dor. Trêmula, a minha mão sentia algo além do meu rosto, e pelo tato eu sentia algo além do formato do meu rosto, algo sem uma forma exata, mas que pelo o que podia sentir crescia até tomar toda a metade esquerda de minha face, entretanto não era algo que impedia minha visão, e por um momento aquela dor cessou, quase como se alguém tivesse a controlando.

- Eu tinha esquecido como é bom te ver assim, ajoelhado, derrotado, despido de seu poder. - A figura então falava entremeio a risadas, claramente se divertindo muito com a situação, a voz dele se distorcia conforme a fala terminava, se tornando um misto de agudos e graves sobrepostos formando um som inatural. Assim como a aura de toda aquela situação, tudo aquilo parecia caótico, errado, não conseguia necessariamente me focar onde estava, meus pensamentos pareciam estar mais bagunçados do que a própria situação, eu nunca havia me sentido daquele jeito.

- O...o que diabos você está fa-fazendo? - Eu lutava para formar a frase buscando mais uma vez respostas, mas não as que queria, uma vez que tinha ido ali consultar a figura sobre o porquê das dores que sentia em relação a velha ferida em meu rosto, uma marca que possuo desde sempre, uma marca que apareceu desde a primeira vez que o consultei sobre algo. - Tomando controle, capitão arrogante. - Mais uma risada era dada, antes dele continuar - Um shinigami prodígio, com mais reiatsu que a média acadêmica, um tenente forte,  porém estúpido e impulsivo e por fim agora, um capitão justificadamente arrogante, você não vê? - A falta de resposta por minha parte fez o sorriso da figura se tornar em uma expressão de desgosto.

- Além de fraco, você é burro? - Ele então caminhava em direção a mim, pegando a zanpakutou em seu caminho, chegando então a minha frente, colocando a ponta da lâmina próximo a minha cabeça. - Você sempre teve uma ajuda, sempre teve alguém segurando a sua mão, durante todo o caminho. Eu cansei de não ser reconhecido, é a minha vez de estar sob o holofote agora.  Agora,  aceite seu destino e veja o mundo queimar pelas nossas mãos. - A figura exclamava rindo freneticamente enquanto preparava um ataque.

-  Cale a boca!  - Eu gritava, instintivamente refletindo o ataque com a minha zanpakutou que agora  também estava em minha mão, a raiva que sentia fazia com que eu ignorasse a repentina aparição. Surpreso a figura recuava, rindo. Eu levava a mão em meu rosto ainda sentindo a estrutura sólida presente em metade do meu rosto - Estou surpreso que ainda tem algo aí forte o suficiente para lutar. - Eu apontava a ponta da lâmina para a figura - A sua ajuda? Você responde algumas perguntas e agora quer crédito por toda a minha vida? Se coloque no seu lugar. -  Ao ouvir a minha resposta, a figura então gargalhava novamente escorando a lâmina em seu ombro. - Eu sempre estive em meu lugar.  Entende? - Ele exclamava apontando para sua têmpora esquerda com a mão do mesmo lado sorrindo e olhando para mim.

- Tanto faz. Você vai cair assim como todos os outros. - Novamente a figura então me olhava com desgosto, abaixando a mão que apontava para sua têmpora, ele fechava um pouco os seus olhos e a aproveitando a situação eu avancei, rapidamente tentando cortá-lo diagonalmente na altura do tronco, apenas para me chocar ao sentir o mesmo pisar suavemente sobre um dos meus ombros em um salto calmo, lento e sem esforço, mas mesmo assim eu ainda não havia visto nem o começo do movimento. O mesmo poderia me contra-atacar mas apenas escolheu me dar um leve empurrão, atualmente aquilo não era uma luta e sim uma brincadeira.

- Previsível e lento, quem seria você sem mim? - A figura perguntava de forma atrevida dando uma risada forçada após terminar de falar. Ele aterrizava silenciosamente não muito distante dali, de costas para mim, novamente eu tentava atacá-lo, porém novamente o meu ataque era evitado por um movimento que eu não conseguia nem ver, dessa vez num movimento fluído ele simplesmente se esquivava se colocando atrás de mim. Embora a figura vestisse o meu rosto, ele não adotava da minha estratégia, e não me atacava num momento de vantagem, muito pelo contrário, ele esperava que eu me virasse para só então me erguer com a mão livre, pela gola de meu Shihakusho.

- Homem, lembre-se de quem sempre esteve do seu lado, em todas as ocasiões necessárias. - Eu tentava respondê-lo - Ungh... eu já te disse, se ponha no seu... - Ele então me trazia para perto de si, fazendo com que eu encarasse a mim mesmo, mas algo era diferente, os seus olhos eram de coloração âmbar, com uma esclera completamente escurecida - E eu já te disse, eu sempre estive em meu lugar. - Entremeio a um sorriso gigante e sádico ele então continuava. - Lembre-se pequeno Issun, da nossa história. - Um frio rastejava por toda minha espinha, meus olhos se arregalavam enquanto eu começava a enxergar, o que a figura então me dizia.

Ele me soltava e caminhava na direção oposta, voltando ao canto onde estava no momento que eu havia entrado na decrépita construção, ajoelhado e com a guarda baixa eu percebia o que ele havia falado, e um padrão se formava em minha mente. Minha descompassada respiração e expressão de surpresa não eram reações que eu pude segurar, pensando em todos os momentos onde eu estava em perigo, situações onde eu me provava de alguma forma, como não pude perceber, como não pude sentir essa presença? A partir do momento que ele havia explanado a situação eu não conseguia mais voltar atrás, a impressão estava quase que cravada em minha mente, é quase como se agora em cada memória eu pudesse vê-lo ao meu lado, sempre presente como uma sombra. - Você sempre... - A figura sorria sadicamente enquanto eu percebia a situação - Não é possível, eu não, eu sou um capitão da Gotei 13, eu não tenho nada de similar com você! - A figura então escorava novamente a zanpakutou sobre seu ombro, sorrindo dessa vez, ironicamente.

- Nada? Eu diria que somos a mesma pessoa, não, na verdade eu sou muito mais autêntico. - Ele então apontava a ponta da lâmina em minha direção, continuando seu discurso - Eu só estou cansado de ser a sombra alguém. - Eu me levantava lentamente preparando a resposta em minha garganta, mas não me restavam nada além de mais perguntas - Eu... desde quando? - eu levava minha mão até minha face apenas para sentir que a estrutura que havia crescido em meu rosto havia crescido ainda mais. - Eu sei o que está acontecendo, não irei perder pra um hollow miserável que está tentando tomar meu corpo. - Eu apontava a espada na direção da figura.

- Tentando tomar o SEU corpo? Tsc, Issun por que você se nega em perceber o que está acontecendo aqui? - Ele pausava por um momento - O que você falha em perceber é que é o nosso corpo, idiota. Desde que você se entende por gente eu sempre estive bem aqui na sua frente. - Minha expressão mudava conforme minha paciência se acabava, com "aquilo" crescendo em meu rosto, eu não tinha muito tempo, ele estava tentando me enrolar ou algo do tipo, eu retrucava - Você não passa de nada além de um recurso que eu consulto pra saber sobre o que me intriga, nada mais. Você pode tentar me enganar, mas eu não cairei mais nos seus truques. - A figura fazia novamente uma cara de desgosto.

- Como você chegou até aqui? Burro como uma porta, mas sim, por favor, me derrote Capitão Causamortis. - Ao ouvir o nome sendo usado novamente, não pude me conter e apenas avancei desenfreadamente para atacá-lo. As idênticas zanpakutou se chocavam, na cara da figura havia um sorriso, já na minha havia uma expressão de raiva - Ooh, atingi um ponto fraco? - O seu comentário foi imediatamente respondido com um grito - VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE ME CHAMAR ASSIM! -, a força da figura era maior do que aminha naquele momento, me jogando para trás, dessa vez ele então atacava  e eu defendia, tentando segurar minha posição - Ah mais você não gostava quando sua capitã te chamava assim? - Meus olhos se arregalavam novamente e num momento de fraqueza minha defesa era quebrada, a minha surpresa era tanta que eu apenas sentia o momento em que a zanpakutou perfurava o meu peito.

A figura ria maniacamente, então dava um grande suspiro recuperando o seu fôlego e então dizia - Pegamos ele, alteza. Agora, para tomar o que é meu por direito. - Novamente a figura dava uma garalhada com uma voz sobrenatural, enquanto eu ficava em choque com a situação em que me encontrava.

- Ca-nalha... - Eu sentia a dor do ferimento, mas nenhum sangue era expelido, tampouco a minha reiatsu se esvaía, na verdade eu podia senti-la cada vez mais além da mesma ficar mais diferente ao longo do tempo mas algo ainda me inquietava, além de minha raiva, além de minha frustração - Como... como você conhece esse mal-dito apelido? -, a figura ficava sério antes de responder - Eu estava lá, naquele incidente que te deu essa marca que você tanto esconde, quando você ganhou esse apelido. - ele dizia apontando para a cicatriz de minha face.

- A Capitã Niishima realmente amava te chamar assim, acho que realmente pegou. Essa residência ficou marcada por aquele ataque de hollow, a Capitã ficou marcada pela sua capacidade de matá-los, por isso o apelido não? Bom e você também ficou marcado. - A figura dava mais uma de suas sobrenaturais risadas, enquanto mais e mais daquela massa branca saía de onde a lâmina estava cravada em meu peito. Ele então continuava - Um hollow que tinha a capacidade de corromper shinigamis, icônico. Bastou um corte no nariz e eu nasci. - Meu corpo ficava mais pesado a cada fala do mesmo, é como se toda aquela massa extra pesasse mais do que eu pudesse carregar, tudo aquilo parecia tão pesado.

- Eu... nunca... precisei de você... Você só se aproveitou pra roubar meu corpo quando lhe fosse oportuno, maldito.- Eu retrucava com a voz mais fraca do que costumava ser, apenas para me deparar com mais uma risada - É aí que você se engana, eu não estou roubando nada, somos dois lados da mesma moeda, camarada. Você só não aceita esse fato, então é a sua vez de viver na sombra. - Eu me perdia em suas palavras, pensava cada vez mais como não aceitaria esse lado hollow, que não fazia sentido, que não era justo, eu conquistei sozinho tudo que obtive, eu cheguei aqui SOZINHO!

- Sozinho? Então tudo que eu fiz, você tá jogando no lixo, Causamortis? - Uma voz feminina ecoava em minha mente, eu então olhava para o lado direito vendo a minha ex-capitã, com seu usual shihakusho, seus olhos um azul claro frio como sempre e seus longos cabelos negros soltos, com algumas mechas que vazavam por cima do ombro. - Capitã Niishima? - Eu não acreditava nas minhas próprias palavras, olhava para mim mesmo e me encontrava com minhas vestes de tenente, num ambiente composto apenas por pelo céu, como se flutuássemos numa infinidade de azul e nuvens, a única superfície que se assemelhava a um chão era uma fina camada de água em nossos pés.

- Ei vamos, você tem que reagir, não é hora pra tirar soneca não. - A falecida capitã dizia com um leve sorriso no rosto.

Senti meus olhos se encherem de lágrimas assim como aquele famoso nó na garganta se formar enquanto via a Capitã novamente em minha frente, fazia tanto tempo que não a havia visto, desde o incidente nesse mesmo lugar, onde encontrei a figura que tentava tomar o meu corpo, onde eu costumeiramente buscava respostas com essa figura, onde eu odiava estar. O lugar de morte da Capitã, a propriedade de uma família mais avantajada separada do resto do distrito, tudo daquele lugar me lembrava dela mas nesse momento eu podia de fato vê-la e até ouvi-la e... - Compondo haikus mentais novamente, essa não é hora de começar a viajar na maionese, tenente. - Eu a olhava, dando um leve sorriso; - Então é isso, eu perdi.- Ela colocava a sua cabeça na diagonal tentando entender o que eu havia falado

- Você não tá morto, bobo. Mas vai morrer se continuar assim. - Minha face expressando certa melancolia retrucava - Eu não estou numa situação favorável. Não sei se você sabe. - Ela dava uma de suas costumeiras risadas, levando a mão no rosto - Claro que eu sei, ele também sabe. Isso tudo é você, tudo isso, abstrações da sua mente lutando pela sua vida com unhas e dentes. - Minha face não mudava, eu levava minha mão até meu peito, no lugar onde a zanpakutou estaria, não sentindo nada ali, levava minha mão até minha face e sentia que ela estava por sua vez quase toda tomada, restando apenas o olho direito - Eu não consegui fazer nada, além de descobrir de que sou uma farsa. - Eu dizia pronto para aceitar a derrota.

- Esse hollow morreu a muito tempo, morreu de Issun, lembra? - Ela dizia com um sorriso - Foi quando o apelido começou, comecei a te chamar de causamortis por matar tantos deles. Era muito bom assim podia focar nos Kidous e simplesmente te deixar sair por aí igual um vira-lata maluco.  - Ela ria enquanto falava lembrando da situação, após um suspiro e um sorriso ela terminava de dizer - Aqui também foi o lugar onde morri, acho que é amaldiçoado ou algo assim. Acho que é hora dele virar alguma outra coisa ou ser esquecido. - Eu levantava minha cabeça - Sim, mas eu só cheguei até aqui por causa dele, eu tive ajuda. - A ex-capitã se aproximava e dava um peteleco em meu rosto, quebrando parte da massa branca que o cobria, revelando o outro olho. que por sua vez estava numa coloração âmbar e com a esclera escurecida.

- Lógico que recebeu ajuda, minha, de outros capitães, da sua divisão. - Meus olhos se arregalavam novamente, numa expressão de choque  por em nenhum momento ter lembrado da minha divisão - Eu não posso perder aqui, aqueles vira-latas sarnentos precisam de mim. - Eu dizia pra mim mesmo - Agora sim, você parece ser quem eu lembro de conhecer - Eu olhava novamente para ela, novamente expressando um pouco de melancolia por lembrar que ela não estava mais entre nós - Você já ficou de luto mais do que suficiente Issun, e você tem um dever a cumprir. Volte pra superfície e mostre quem você realmente é. - Antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa eu começava a levitar, em direção ao céu infinito daquele lugar, por mais que eu esticasse minhas mãos, não podia alcançar a minha ex-capitã que acenava enquanto eu levitava.

- Meu nome é Issun Goro - Eu colocava a mão na lâmina que perfurava o meu peito - Eu sou o capitão da 5ª divisão do Gotei 13! - Gritava enquanto removia a lâmina do meu corpo, sobrepujando a força da figura - Eu... não... perco pra escória! - Eu exclamava enquanto a massa branca rachava e caía do meu corpo, permanecendo apenas sobre a minha boca e nariz. Eu apontava a minha zanpakutou para a figura - Eu não perderei aqui. - E tinha certeza do que havia dito.

O tilintar das espadas entoava como uma disforme canção, sem nenhum tipo de ritmo, pausas ou cântico. Eu não conseguia acertá-lo, porém a recíproca era igualmente verdadeira. Os novos movimentos eram igualmente rápidos, porém espelhados, como lutar com um espelho. A massa branca não voltava a crescer mas também não diminuía, não rachava, não saía. Tudo que a minha ex-capitã havia me dito fazia cada vez mais sentido, o ganhador daquela luta ficaria em controle, o meu foco não diminuía e eu não acumulava cansaço. Tudo que eu dizia era retrucado por risadas, insultos e chacotas entretanto em certo momento, ele simplesmente desaparecia para aparecer novamente cravando a zanpakutou análoga a minha na direção do meu estômago.

Nesta instância o que começava a acontecer era diferente, tecidos começavam a sair, preenchendo seus devidos lugares, me dando vestes iguais a da figura e eu sabia exatamente o que aquilo significava, eu continuava perdendo a luta, ele continuava a tomar cada vez mais e mais controle sobre a minha pessoa.  Eu não entendia, quanto mais eu me esforçava naquela luta infindável mais eu me perdia, mais eu me distanciava da possibilidade de voltar as rédeas, mais eu me afastava de eu mesmo. Eu procurava por ar mas encontrava mais pânico e adrenalina, eu não conseguia totalmente me mover, tudo que meu corpo fazia era ocasionalmente dar alguns espasmos aleatórios.

Aqueles pensamentos de derrota, insuficiência e infelicidade começavam a afogar e inundar o meu cérebro, tudo que eu lembrava era de algum momento onde eu conquistava algo apenas para agora vê-lo em meu lugar, enquanto eu o assistia debaixo, como se fosse a sua sombra. As sombras começavam a me parecer um lugar adequado e confortável, quando eu senti algo quente em minha testa, de alguma forma eu via meu reflexo em minha frente, enquanto tudo se apagava. Havia apenas eu e meu reflexo se encarando ali.

Eu me via, com as roupas da figura, porém algo queimava em minha testa, uma chama viva e mais avermelhada do que o normal.  Eu sabia o que era, a zanpakutou que havia escolhido o meu nome, aquela que esteve do meu lado a todo esse tempo continua do meu lado, continua ali me ajudando, assim como minhas memórias da minha ex-capitã. Novamente me lembrava de quem eu era e do que tive que fazer para chegar até ali e novamente estava em controle. Eu sentia então a zanpakutou, a qual novamente agarrava, porém dessa vez eu não a removia.

Segurando a zanpakutou eu dava um sorriso, pela primeira vez durante toda a experiência que havia ocorrido naquele lugar. Uma leve chama era ignizada em minha testa e então começava a queimar cada vez mais - Desculpe, qualquer-que-seja-seu-nome, mas eu finalmente entendi. - Ele então sorria - Droga... eu quase consegui. - A zanpakutou então quebrava, a figura então dava de ombros dessa vez com um sorriso sincero e conformado - Então só me resta dizer, obrigado. - A figura então cruzava os braços dizendo - Você vai vacilar algum dia Issun e eu estarei pronto pra tomar o controle das rédeas. - Ele então começava a se despedaçar, desintegrando no ar aos poucos.

A chama se apagava de forma devagar, até eventualmente sumir em pequenos resquícios de fumaça. Eu olhava então para aquele lugar, vendo-o aos poucos  rachar e quebra, algumas estruturas caíam mas todo o barulho estava abafado como se não estivesse ali, eu então pensava no que estava acontecendo. Eu pensava, na figura e pela última vez ali considerava não o que ele tentava me tomar ou toda aquela situação, eu pensava apenas em como ele se sentia tendo passado todo aquele tempo, nas sombras, sem ter sido reconhecido, sem ter sido notado. Eu levava em consideração daquela vez as suas emoções e o que ele tinha sentido e por mais que toda experiência seja baseada em odiar uma figura que tentara roubar meu corpo eu sentia certa empatia, principalmente uma vez que o maior sentimento que permanecia em meu coração é de que naquela situação eu faria o mesmo.

- O grande capitão Issun Goro não é? Acho que esse também acaba sendo você, não é? - Eu sorria pra mim mesmo, após algum tempo eu levava então a minha mão em direção ao meu rosto, sentindo-o completamente tomado por algo, mas dessa vez eu sabia exatamente o que era, eu tateava completamente a máscara hollow que se localizava em meu rosto no momento. Eu então respirava profundamente, como se um grande peso tivesse saído de meus ombros. Mesmo sabendo que quando eu vacilasse ele estaria ali para tentar roubar novamente o controle, eu sabia, que naquele momento um acordo havia sido feito - Que tamanho de problema eu acabei me metendo, hein? - Eu falava, quase que completamente com certeza que ele estava ali escutando.

Após alguns segundos de olhos fechados me encontrei surpreso ao abrir os olhos e encontrar o local onde estava bem mais destruído do que estava antes, eu não podia ter certeza mas o meu melhor palpite e na verdade a única possibilidade é de que eu havia causado tudo aquilo, eu então olhava para as minhas mãos, vendo que estava completamente envolto por aquela massa branca, que provavelmente se tratava de uma hollowficação que estava ocorrendo enquanto eu estava no combate em minha mente. De qualquer forma, toda essa parte de mim se rachava e começava a se desfazer, revelando meu próprio corpo dentro.

Minha mão então ia de encontro ao meu rosto, removendo a máscara hollow que havia se formado, a mesma se assemelhava a face de um elmo de guerreiro, deixando a mostra apenas os olhos de quem estivesse por trás daquela máscara. Eu a olhava enquanto a mesma desaparecia aos poucos assim como o hollow que estava dentro de minha mente. Eu dava um de meus clássicos longos suspiros, olhando ao meu redor pensando no que havia acabado de acontecer -  Um grande problema, é isso. - Eu afirmava, coçando minha cabeça, enquanto então começava a me dirigir para fora daquele lugar.

Eu sabia as leis quanto ao Gotei 13 e talvez a visita ao mundo hollow havesse vindo a um momento oportuno, apenas talvez eu conseguiria sair dessa sem ser morto, bom, se tem algo que eu posso fazer é sonhar, não é? De qualquer forma eu ia em rumo aos portões do conjunto de construções um pouco mais destruído do que estava antes.

O caminho em direção ao portão do conjunto de edifícios não era necessariamente difícil, mas por algum motivo demorava. Como se algo ainda me segurasse naquele lugar, mas dessa vez não era alguma força oculta dentro de mim tentando tomar o meu corpo e nem precisava de toda uma jornada de auto conhecimento para evidenciar para mim o que era. Por mais que eu odiasse esse lugar, as memórias que residiam nele eram o que me restava. Com certa melancolia em meu rosto eu encarava as construções que estavam quebradas, algumas antes mesmo do que havia acontecido hoje. Eu esticava a mão, tentando alcançar o prédio principal em que eu estava, acidentalmente fazendo com que a máscara aparecesse novamente em minha mão.

- É, pelo ou menos agora eu não tenho que vir toda vez até aqui para falar com você. - Embora uma voz não falasse a resposta eu simplesmente sabia o que era respondido, o diálogo se tornara um monólogo, como se eu falasse comigo mesmo, ao invés de falar com uma figura externa ou outra entidade que divida a minha alma comigo. Eu tinha que me acostumar com aquilo, aquela nova forma de ser e sabia que eu teria que esconder a verdade da minha existência, embora soubesse que uma hora ou outra eu seria descoberto. Eu imaginava se alguém mais era assim na Soul Society atualmente, se alguém mais era como eu, uma união proibida de dois tipos de poderes.

Eu então virava a máscara pra mim, eu levava a mão livre à cicatriz que ficava em minha face, apenas para encontrá-la descoberta - Então foi daqui hein?. - Eu falava com o objeto, cem certeza de quando eu havia me tornado aquilo, quanto mais eu pensava, mais cansado eu ficava. Eu então fazia a máscara desaparecer, me virando de uma vez abandonando parte do meu passado que eu sabia que estaria sempre presente mas dessa vez apenas em memórias.

A volta até a propriedade da 5ª divisão foi uma viagem rápida, sem interrupções. Eu via ocasionalmente, alguns shinigamis aqui e ali da minha divisão a quem eu acenava de volta ao ser identificado. Eu abria a porta de meus aposentos, bocejando e me espreguiçando, embora eu tivesse um novo peso e com ele mais uma certa melancolia eu também estava de alguma forma feliz de ter me descoberto, encontrado quem eu era, eu então deitava no confortável futon que havia ali e adormecia pensando alto comigo mesmo - Eu imagino se existem outros como eu. - fechando os olhos pesados de cansaço eu tia uma soneca, finalmente livre da dor que me perseguia durante um tempo.