Asauchi, a espada definitiva. O seu nome, "Golpe Raso", pouco faz jus ao seu verdadeiro poder e o potencial infinito que ela carrega. Todo Shinigami recebe uma Asauchi ao iniciar seu treinamento na Academia e, ao se formar, recebe a sua própria Asauchi, aquela que o acompanhará pelo resto de sua existência. A regra é clara: carregue sua espada para onde quer que você for. Assim, a essência de sua alma se impregnará na lâmina e a moldará de acordo com o seu próprio poder. E então, quando o momento chegar, a zanpakutou se apresentará formalmente com o nome que adotou e as palavras mágicas que a fazem revelar a sua verdadeira forma; aquela que a espada adquiriu depois de passar tanto tempo ao seu lado.

Minha espada se chama Togizoushi, o Livro de Conto de Fadas. Nosso primeiro contato foi precoce, apenas uma semana após eu me tornar um Shinigami. Quando eu dormia, eu conseguia sentir sua presença em meus sonhos, ansiosa para que nos conhecêssemos de forma plena. Daquele ponto em diante, levei vários anos até que pudesse ouvir sua voz acordado e de forma clara. Com um timbre feminino e doce, Togizoushi se apresentou para mim. A chave para destravar o seu poder? Tão épica quantas os contos de heróis escritos nos livros da biblioteca.

"Escreva a história de toda a existência!"

considerações:

Uma espada peculiar, Togizoushi tomava a forma de um livro quando estava liberada. Com um poder capaz de fazer inimigos entrarem em um loop em que nenhum dos seus ataques surtem efeito, eu levei poucos anos para me acostumar ao seu potencial. Treinar os olhos foi a parte mais difícil, afinal, ler suas páginas enquanto mantinha o foco no combate não era tarefa para qualquer pessoa. Ainda assim, eu perseverei e me acomodei ao estilo da zanpakutou sabendo bem que se ela era daquela forma era porque o meu espírito sabia que eu conseguiria dominar tal poder.

Depois de diversas experiências juntos, eu ouvi um novo chamado. Daquela vez, a espada me apresentou o seu segundo nome. Ou melhor, o seu nome completo. Para liberar minha Bankai, a espada me explicou, eu deveria chamá-la com toda a determinação em meu corpo: Sakayume Togizoushi, o Livro de Contos de Fadas dos Sonhos Contradizendo a Realidade.

Eu demorei alguns dias até tomar a coragem necessária para sequer chamar aquele nome. Togizoushi me incentivava, mas eu sabia das histórias de outros Ceifadores que quase tiveram sua alma partida ao meio por não conseguirem controlar o poder de sua própria Bankai. As pessoas ao redor me chamavam de prodígio e eu sabia que flertar com a possibilidade de dominar uma Bankai tão jovem era uma oportunidade em um milhão. Ainda assim, eu hesitei. Aquele foi um dos meus maiores erros, hoje eu sei. O motivo? A fonte do poder de Sakayume Togizoushi é a certeza de si próprio. Isso, infelizmente, eu levei décadas para conquistar.

considerações:

A aparência de Sakayume Togizoushi era curiosa. Antes um grande livro flutuante, ao ser liberada em sua forma final ela se apresentava apenas como folhas flutuando ao meu redor. Ora visíveis e numerosos, ora se desfazendo em reiatsu no meio do ar, os papéis em branco pareciam esperar ansiosamente por algo. Essa parte, eu logo percebi, não era muito diferente da minha própria Shikai: eles se preenchiam conforme o seu gatilho era disparado, como se escritos por uma pena-tinteiro fantasmas.

As minhas tentativas de me acostumar com a Bankai eram sempre a mesma coisa. Estáveis no começo, mas desastrosas depois de alguns minutos. Logo nos primeiros segundos, eu conseguia manipular as folhas avulsas e admito que aquilo ressoava instintivamente no meu corpo. Era como manipular o livro flutuante da Shikai, mas agora ao invés dele voar próximo de mim ao meu comando eram folhas que apareciam diante de mim. Aquelas escritas não estavam em um idioma muito diferente daquele que eu já estava acostumado da Shikai: os desenhos pareciam indecifráveis para os outros, mas eu conseguia lê-los como japonês tradicional.

Ler tais escrituras eram os momentos de calmaria. Agora, nos momentos de tempestade... bem, eu não sei bem por onde começar. Nas primeiras vezes, eu tentei fazer aquilo sozinho. Minha energia, no entanto, se esgotava rapidamente. O primeiro passo se tornou me acostumar com aquele fluxo elevado de poder, sabe, para conseguir estabilizá-lo. Para aquilo, a chave foi meditação e muito foco.

considerações:

Depois, quando me senti mais corajoso, eu convidei um outro Oficial para me ajudar no sparring. Na época eu mesmo era um oficial, então ele não tinha obrigação nenhuma de ter me ajudado. Eu estava grato, mas depois eu senti culpa. Eu devia saber que naquela altura eu ainda não estava pronto para envolver inocentes no meu treinamento. Isso foi porque... bem, ele quase perdeu o braço depois de um papel estranho e uma escritura que não fazia sentido com a realidade surgirem diante de mim e eu lê-los mentalmente.

Normalmente, se tratando de Togizoushi, o que fica escrito nas páginas faz completo sentido com a maneira que cada história aconteceu. No caso de Sakayume Togizoushi, as escrituras pareciam aleatórias. Eu tentei usar aquilo da mesma maneira que eu usaria se fosse a Shikai, mas ao fazê-lo, o outro oficial simplesmente tropeçou tão feio que praticamente arrancou o braço fora depois de um golpe sem jeito. Ele me contou depois que ele queria, sim, fazer aquilo, mas que sentiu uma força embalar seu corpo da maneira exata para fazer seu movimento ser desastroso. Daquele dia em diante, eu jurei que não envolveria terceiros nos treinamentos de minha Bankai até que eu tivesse plena certeza do que ela poderia ou não fazer.

considerações:

Toda noite, quando eu ia dormir, eu pedia em pensamento para que Togizoushi me guiasse pelo caminho para compreender a sua força. Sempre compreensiva com a minha necessidade, ela conversava comigo em sonho, mas sempre era a mesma coisa: "eu sei que você consegue", ela dizia. Aquelas palavras sempre me enchiam de confiança, mas era só eu abrir os olhos que toda aquela certeza parecia se desfazer quase que de maneira instantânea. Eu sabia que eu não precisava dominar aquele poder tão cedo. Também sabia que a maioria dos Shinigami sequer alcançam tal possibilidade antes de já estarem em idades avançadas e calejados de experiências. Era uma benção eu ser tão próximo de minha Zanpakutou daquela maneira, mas também uma maldição a ideia de ter que evoluir tão rápido.

Para que fique registrado, eu nunca concordei com a ideia de ser um "prodígio daquela geração". Para mim, Nobara era muito mais merecedora de tal título. Eu entendia que o fato de eu não me esforçar muito e mesmo assim conseguir me sobressair não contava ao meu favor nesse sentido, mas não era como se eu quisesse nada daquilo. Eu concordei em me tornar um Ceifador de Almas porque eu não suportava mais ver a pressão da minha vontade de viver uma vida normal cair sobre minha irmã. Agora, eu tinha a pressão da minha própria evolução sobre mim, e o pior de tudo é que ele não parecia diminuir conforme eu alcançava novas conquistas. Pelo contrário, minha família parecia querer sempre mais. "Não existe espaço para o medíocre", o papai dizia. Talvez fosse culpa dessa frase martelando na minha cabeça a ansiedade que eu sentia sempre que pensava sobre minha Bankai.

considerações:

Décadas se passaram desde a primeira vez que liberei minha Bankai. Não era nada fácil conciliar o treinamento de Kidou com o treinamento de minha Zanpakutou, mas eu sentia que tinha muito mais talento para as Artes Demoníacas do que para ser um exímio espadachim. Dessa forma, eu conseguia enganar não apenas a minha família, mas também a mim mesmo. No caso, enganar sobre a maneira que a incapacidade de dominar Sakayume Togizoushi me deixa inquieto. Nesse meio tempo, eu conheci o Capitão Harley e até me tornei seu Tenente. Eu o via como uma figura de inspiração, um patamar a ser alcançado. Como seu homem de confiança, eu me dediquei à arte do Bakudou para que pudesse protegê-lo e achei que isso seria o suficiente. Infelizmente, mesmo o Capitão parecia desejar que eu dominasse minha Zanpakutou da mesma forma que ele o fez com a sua. Enquanto seu Tenente, era esperado que eu o substituísse, mas isso só seria possível se eu pudesse dominar minha Bankai.

Aquele foi o gatilho para que eu retornasse ao meu treinamento. Eu não queria decepcionar o Capitão Harley e, como de brinde, a sensação de não querer decepcionar minha família retornou. Motivado por uma vontade de me provar que nada tinha a ver comigo, eu me isolava algumas várias vezes por semana temendo que pudesse ferir outros durante meu treinamento.

Sakayume Togizoushi, por outro lado, parecia a mesma de sempre. Sempre que eu chamava o seu nome, era como se eu sentisse uma tragédia prestes a acontecer. Eu sabia que ainda não estava pronto para aquilo, mas mesmo assim eu continuava tentando e tentando.

considerações:

Um dia, o Capitão Harley apareceu no meio do meu treinamento e aquilo me fez congelar. Eu não estava pronto para que outros me vissem fazendo aquilo, muito menos aquele que eu me inspirava. Animado, ele se aproximou e se prontificou para me ajudar com aquilo. Eu recusei, é claro, mas ele usou da sua influência sobre mim para me fazer mudar de ideia. Apesar de experiente, Harley não era exatamente um bom professor. Ele tentou me explicar como foi o processo de dominar sua Bankai, mas não dava para se aproveitar muita coisa. Talvez pela essência de sua Zanpakutou ser tão agressiva e a minha ter se moldado de acordo com a minha vontade de proteger os outros, mas o ponto era que até ele percebeu que só conseguiria me ajudar se me desafiasse para um combate.

E assim aconteceu.

Se hoje eu compreendo a minha Zanpakutou melhor do que antes, eu devo primeiro agradecer ao Capitão Harley. Harley era o companheiro de treinamento ideal. Era forte, animado e sua presença me incentivava. Ao contrário do Oficial de antes, ele não parecia cair facilmente sobre a influência do poder de Sakayume Togizoushi. Juntos, nós deciframos o que ela podia fazer e qual era o seu poder. Percebi que, de fato, nunca poderia compreender a extensão das habilidades da minha espada treinando sozinho. Sua essência, eu devia saber, era envolver os outros em seu conto fantástico.

considerações:

Mesmo naquela época, não foi fácil. Eu gostaria de dizer que dominei minha Zanpakutou no mês seguinte, mas isso não aconteceu. Levei mais algumas décadas de aperfeiçoamento e, ainda assim, não parecia ser o suficiente. Depois de um tempo, eu me senti estagnar. De repente, os embates com Harley para desafiar os limites dos poderes de Togizoushi já não surtiam efeito. Eu caí novamente no loop de achar que não estava preparado para aquilo.

E então veio a missão de paz para o Hueco Mundo e toda a tragédia atrelada a ela. Eu saí vivo, é verdade, mas já não tinha o Capitão Harley ao meu lado. Eu me vi perdido em vários sentidos. Não sabia como tocar a Terceira Divisão, já que sem um Capitão seria eu que a lideraria até que um novo Shinigami fosse nomeado. Não sabia o que fazer com a Kidou Corps, que também acabou sem liderança. Não sabia o que fazer com o meu treinamento, que agora já não tinha alguém de confiança para me apoiar. E o pior de tudo, já não sabia o que fazer com a minha falta de vontade de sequer levantar da cama. Por várias vezes no primeiro dia eu cogitei deixar aquela vida de Shinigami para lá. Foi Togizoushi que não permitiu que isso acontecesse e acabou sendo o meu apoio. Sua voz sempre ecoava em minha cabeça nos momentos que mais duvidei de minha própria capacidade e, durante o meu isolamento, ela foi minha companheira. "Você sempre esteve comigo, Tensai. Chegou a hora de retribuir", ela disse.

No ano que se seguiu, nossa relação se tornou ainda mais especial. Como uma amiga, Togizoushi me colocava para cima sempre que treinávamos juntos. Ela passou a me guiar em como eu deveria utilizá-la e pela primeira vez em décadas eu consegui sentir que estava evoluindo. O seu poder de registrar a história alheia estava mais afiado do que nunca, agora sendo capaz de influenciá-las. Como um escritor em sua escrivaninha, eu aprendi a usar minhas mãos para moldar o combate e escrever a história de cada embate da maneira que mais me favorecia. Paralelo a isso, Sakayume Togizoushi se certificava de fazer com que minha vontade fosse cumprida.

Esse era o seu poder. O Conto Amaldiçoado.

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