O deserto era solitário. Caminhar em meio aquela vastidão, sozinha, algo em meu passado me dizia que eu devia sentir algo, quase como uma lembrança, mas eu não conseguia me recordar, eu apenas continuava a caminhar. Já alguns dias não devorava a ninguém, não via sentido, entrava em conflito contra meu próprio ser, eu queria me tornar algo mais, eu precisava continuar a evoluir, até que aquele vazio fosse preenchido, no entanto, do que adiantava devorar todos aqueles seres inferiores? Eu não conseguia sentir o poder fluindo, eu não sentia a energia deles atravessando meu corpo, era inútil e por ser inútil, não via sentido em o fazer.

No entanto, ainda me indagava curiosidade, quanto ao comportamento daquelas criaturas, os maiores e os menores, uma vez que um obteve consciência, ele adquiriu medo, mas não somos capazes de sentir nada, então o que de fato lhe trouxe medo? Assim como eu, imagino que suas lembranças. Mas ele conseguia se lembrar? Em algum ponto, em algum momento, seria eu capaz de me recordar? Relembrar o que fui e o que era, entender onde estava e por qual motivo ali estava, havia dúvidas e mais dúvidas e nenhuma resposta à vista, mas eu as encontraria.

Considerações:

Enquanto vagava — pelos meus pensamentos e pelo deserto — reconheci a sua presença, na verdade, ele já me seguia há algum tempo, como um lobo caçava uma ovelha, aproximando-se cada vez mais, tentando se manter à espreita. Virei-me subitamente, encarando diretamente a criatura, outrora reconhecido como líder, ele havia me reencontrado, mas estava diferente, era como se estivesse mais forte do que antes, o que me intrigava, estaria aquela criatura próxima a sua evolução? Seria ela capaz de se tornar igualmente a mim? Seria ela capaz de pensar? De questionar? Aquilo me excitava, de maneira única, era como se agora eu pudesse encontrar algumas respostas, ou pelo menos testemunhar o fundamento delas, então que mal faria?

Emanei minha energia, como um chamariz para as demais criaturas naquele deserto, queria que elas viessem até a mim e pelo o que me recordava e observava, elas iam em direção ao poder, fosse esse capaz ou não de subjugá-las, elas não se importam, apenas são atraída em direção a ele e uma vez que o encontram, o tomam… ou pelo menos tentam.

Inclinei meu corpo antes que as garras da criatura atravessassem meu flanco, aproveitando-me do movimento para atravessá-lo com bailalua. Outros se aproximavam, mas um a um eram derrotados, talvez por sorte, talvez por azar, mas nunca havia encontrado um inferior capaz de me amedrontar, não que tivesse muito tempo de consciência, mas isso também me indagava a dúvidas, a novas perguntas que novamente não haviam respostas.

Considerações:

Havia um plano, no entanto não o suficiente, foram inúmeros os mortos e todos ele cautelosamente devorava, ele conseguia entender, minimamente, o que estava acontecendo ou naquela altura do jogo já tinha me considerada uma serva dele, talvez eu fosse, matando por ele, alimentando-o, servindo mais e mais de sua própria carne, esperando que em algum dado momento, ele deixasse aquela forma, desabrochar e então tornasse um como eu. O que eu faria quando esse momento chegasse? Não sei, talvez devorasse ele, ainda não era importante, então não me preocuparia.

Horas e mais horas se passaram, caminhamos juntos pelo deserto e quanto mais eu o alimentava, mais forte ele se demonstrava, mesmo assim, nos combate não ajudava, apenas me seguia, esperando a próxima refeição. Em dado momento, houve um descuido meu, talvez pelas horas, ou quem sabe dias que já tinham se passado naquele experimento, mas enquanto lidava com mais um bando, sua presença desapareceu.

Uma luz vermelha. Foi tudo que consegui enxergar quando virei-me em sua direção, outro bando, dessa vez liderado por uma enorme criatura, que urgia e estremecia cada grão de areia com sua presença. Não, não estou com medo, mas instigada, a criatura que eu alimentei todo esse tempo, estava morta, nos dentes daquela monstruosidade, tomando para si todo o meu esforço.

Risadas. Era tudo o que podia-se escutar saindo de meus lábios, era uma bela cena, cômica, mas arte. Enquanto o encarava, observei, havia uma rachadura, sua máscara estava próxima de se partir, ele estava prestes a evoluir.

Considerações:

Uma luz. Uma forte luz. Vento, bastante vento, sinto os grãos de areia por toda parte do meu corpo, sinto minhas roupas rasgando, além da enorme pressão espiritual que se espalha deserto adentro, algo estava mudando, era como se junto a sua evolução, o Hueco Mundo evoluísse também, adaptasse para a chegada de mais um. O que antes era bestial, gigantesco e brutal, se lapidou em uma única forma. Recém acordado, ela me encarava, eu sabia como ela se sentia, não havia mais a fome por poder, no entanto, ainda restava aquele sentimento, aquele desejo por sobrevivência, ela me atacaria, seus pensamentos não conseguiam evitar a isso, enquanto me observa, os pensamentos iam e vinham e sempre se concluíam da mesma forma: mate-a, devore-a, consuma-a.

Ele era rápido, num piscar estava a minha frente, desarmado, ainda não tinha tido tempo para encontrar seu espólio, mas imagino que assim como eu, ele teria um. Evitei o seu golpe, assegurando-o com minha zanpakutou, havia sido por pouco e não seria o suficiente, ele continuaria, então antes que fosse possível sequer respirar, ele já estava novamente em meu flanco, acertando-me em cheio. Fui arremessada contra a areia, usando a minha perna esquerda como apoio, caso contrário seria gravemente fraturada. Eu precisava de um golpe, não muito além disso, mesmo naquele estado, ele ainda era novo, inexperiente, um golpe no lugar certo iria o imobilizar e então, o golpe final, de misericórdia.

O estrondo seria o único som possível de escutar, tinha desenvolvido aquela técnica a pouco tempo atrás e de um segundo ao outro, lá estava eu, em suas costas, em um giro rápido, com o fio de minha lâmina baixo, acertando-o nos pés, onde ele mal ainda havia aprendido a andar. Jogado no chão, seus olhos agora arregalaram, não era medo, eu entendia agora, era respeito, ele não era capaz de compreender o que estava acontecendo e por isso, desejava aquilo. A espada atravessou sua garganta e de seu sangue me fartei, tomando para mim mais uma das minhas refeições.

Esse mundo começava a soar interessante.

Considerações: