Ora, não é natural que a curiosidade aproxime os libertos do conhecimento? Aqueles que enxergam a sua verdadeira realidade, e por causa disso, procuram explorar ao máximo as barreiras que conseguem alcançar? O intelecto, por vezes, é considerado uma benção, algo valorizado por toda a sociedade, deturpado como um pilar essencial para ser um indivíduo significativo no sistema que rodeia toda a população. Contudo, ela retorna a faceta desalinhada a um mal de quem possui, já que traz enorme tédio a coisas rotineiras que não despertam mais o interesses daqueles que buscam sempre mais. Ao mesmo tempo, pode ser responsável por medidas ainda mais putrefatas, para desobstruir a passagem a certos conhecimentos antes limitados.
        O mundo corrompido pela falsa sensação de primazia, gerador de paredes com lados inexequíveis a maioria das pessoas, geram um empobrecimento do verdadeiro potencial da consciência. De despertar o desejo que todos secretamente senhoreiam em seus corações. Saber sobre a existência, seus desígnios e véus velados. Infelizmente, a subalternidade das sociedades permanece afeiçoada com os desejos insignificantes, empobrecidos pela carne e quimeras dos sentidos. Eu, assim como muitos outros, nasci dessa frágil situação, a mercê do destino vinculado ao patrimônio. Desatendido pela soçaite que fui inserido, gangrenava sob o véu dos desvalidos, vagabundos, pobres que sangravam comigo.
        A vida nos distritos apartados do centro, do palácio, dos reis, distantes da Seireitei eram renegados de seu potencial. Amaldiçoados pela ausência, escassez e demônios da pior estirpe. Lembro-me bem que, para quem morasse por lá, a consciência era um mero aparato, de tempos em tempos servíamos de espantalhos para afastar o desequilíbrio que ocorria entre os mundos. Assassinados, pospostos, sequestrados. Os ricos permaneciam em suas poltronas confortáveis, bebendo e comendo, rindo e gozando, enquanto que nós éramos alvo de genocídios.
        Apesar disso, eu sobrevivi. Não era como se aquilo realmente importasse para o meu próprio sentimento, o sofrer ou luxúria são mais uma vez desprezíveis se comparados com o maior dos prazeres. Conhecimento. Sabia que estava sendo evitado, meu verdadeiro potencial permanecia furtivo, sobre as condições que tinha. É por isso que me vi inclinado a jogar o jogo do tabuleiro, precisava considerar os mais fúteis dos desejos e subir na escala da alçada para que pudesse ter a liberdade devida a um real cientista. Ter o que eu tinha não era o suficiente, nunca seria.


        Assim como uma formiga não sabe atinar sobre o mundo a sua volta, muitos que encontrei foram omissos sobre o tentador desafio de se inteirar sobre a ciência. Tolos, desprovidos de visão, não eram passíveis de compreender meus meios. Antiéticos. Assim foram chamadas as minhas coletâneas, meus filhos produzidos pelo próprio delírio da curiosidade aliado a materialidade do mundo que vivemos. Como poderiam entender que os sacrifícios de hoje compensam de forma extraordinária o rudimento de informações que permanecem válidas, perpetuadas pelo tempo? Que são ferramentas para outras, que possibilitam expandir a perspectiva do presente, do que se pode ou não fazer? Podendo somente serem revisadas e contrariadas, mas por si mesmas possibilitam novas descobertas ou entendimentos? Eram ignorantes, muitos.
        Meu desejo me guiou pelas esquinas e becos despojados de segurança e esperança, controlando as minhas circunstâncias à minha volta, através do meu saber. Obstinado, permeei os simplórios testes e requerimentos para subir na vida, também usei do meu crescente desenvolvimento como cientista para subjugar quem me tivesse algum valor. Na minha busca, procurei infectar e adentrar a sociedade da forma mais sutil, mas significativa. Um vírus, parasita ou bactéria. Os desaparecimentos não podiam ter me saído melhor, assim como um novo patamar de interesse, me possibilitou alcançar vagas posteriormente inacessíveis. Líder do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, que melhor ambiente para cultivar meus fascínios, sem ser interrompido ou desmedido, poder brincar com as arcadas do mundo sem se inquietar com limites.
        Treinei, aperfeiçoei, desenvolvi e fabriquei os arpões que me prenderiam ao impulso necessário para adquirir o cargo, vago devido aos eventos inexplicáveis que ocorriam por todas as dimensões. Não me fizeram perguntas, apenas exigências, por mais obscuro que eu permanecesse, aqueles com o poder ainda em mãos pareciam não ligar de onde vinham meus resultados. Mensuravam apenas os seus requerimentos, e por mil vezes viam extremo valor em me ter como chefe do departamento. Nunca me foi um imbróglio, já que eu mesmo, em certas ocasiões, criava a demanda necessária para as minhas próprias criações e produtos. Contudo, apesar de conseguir alcançar meus objetivos, dentro do meu próprio ser mantinha acorrentada uma coceira inenarrável, quem ou o que era responsável pelos desaparecimentos?


        Muitos anos depois de assumir minha posição, além do crescimento exponencial de meus conhecimentos e experiência, pude desenvolver mais projetos e adquirir mais controle sobre meus arredores, inclusive os submundos da Soul Society. Por causa disso, fui responsável por um dos acontecimentos mais recentes envolvendo os 13. Junto do antigo capitão-comandante, tive um vislumbre momentâneo de algo inexplicável, a criação primal de uma outra dimensão. Coincidentemente, as consequências foram severas, resultando no seu desaparecimento, e para meu infortúnio, a própria máquina que criamos juntos. Foi por causa disso, também, que conheci a nova Capitã-Comandante. Ingênua, alheia ao seu cargo de tenente, foi arremessada por decisão de ignotos para um destino que julgo não estar preparada.
        Infelizmente, permaneci na incógnita do ocorrido, sem respostas e com ainda mais perguntas, perdendo ao mesmo tempo um dos responsáveis pela pesquisa comigo. Fora uma tragédia, sem falar que posterior aos eventos, gerei uma certa atenção aos meus projetos, completamente indesejada. Sigo em busca de compreender os desaparecimentos da Soul Society, ainda mais insaciado pelo desejo de compreender o que deve ser ter o poder de um Deus e criar o seu próprio mundo.