O gabinete era enorme.

O piso de madeira se estendia por vários metros. À esquerda não havia parede, apenas uma longa varanda de onde podia se ver toda a ala sul da Seireitei. Na frente havia uma mesa de carvalho amontoada de papeladas. Um desenho do sol estava entalhado na parede logo atrás. Imenso, se estendendo até o teto. As linhas, representando os raios de luz, convergiam em um único ponto, onde jazia a cadeira da comandante.

Kuina estava de pé na varanda.

Ainda era de manhã, e o céu estava pálido. A ventania os seguiu desde o quartel general, e agora invadia o gabinete, fazendo os cabelos da garota dançarem graciosamente. Ela não estava usando o manto. Ao invés disso, ele jazia solitário nas costas da cadeira. Ela ainda não se sentia confortável usando-o.

ー Vou ser direta ー disse ela. Olhos no horizonte. Houve um momento de silêncio. Kuina queria considerar bem as próximas palavras que sairiam de sua boca. Mas isso não aconteceu. Elas...

Elas simplesmente saíram.


Kuina apoiou os cotovelos na grade e repousou a cabeça em uma das mãos. E simplesmente esperou. Esperou ter certeza de que o tenente... não, de que Kuramoto Aizawa havia entendido a mensagem. Ela sabia muito bem que membros da Onmitsukidou eram treinados para conterem suas emoções, mas isso não significava que elas não existiam.

ー Ele sumiu. Da mesma forma que o meu capitão sumiu. Isso eu posso te garantir ー disse, contida, e mordeu os lábios. Era inacreditável. Um a um, eles iam sumindo. Os pequenos pontos de luz que a davam esperança, como velas se apagando num túnel. Parecia que o universo estava contando uma grande e elaborada piada com a sua vida. Kuina suspirou da mesma forma que chaleira solta vapor para conter a pressão.

ー Antes de Ayato sumir, houve uma torrente de pressão espiritual. Ela surgiu do nada, e era hostil, agourenta. Foi como estar imerso em um mar de lama e morte. Nunca antes eu havia sentido algo tão desesperador na minha vida. Qualquer que fosse a entidade que estivesse emanando aquele poder, tenho certeza de que nada que existe na Seireitei atualmente chegaria aos pés dela. Nem mesmo Ayato.

Houve uma pausa.

ー Pouco tempo depois de eu ver Awashi pela última vez, eu senti essa mesma pressão espiritual. Me lembro perfeitamente ー concluiu, cerrando os punhos. ー Me lembro perfeitamente, e ainda assim, não entendo. Todos estão sumindo pouco a pouco. Escapando facilmente do meu alcance, como se eu estivesse presa no mesmo lugar por grilhões de aço. E o pior de tudo... é que eu não faço ideia do que quer que esteja fazendo-os sumir.

Aizawa poderia ouvir os lamentos no coração da garota. Estavam vivos, como feridas expostas. Não só pela perda daqueles que respeitava, mas também pelo enigma. Pelo maldito quebra-cabeça negro cuja solução, a cada dia, parecia mais distante.

Considerações:

A menina arregalou os olhos.

ー Filhote...? Do que diabos você está falando? Vocês capturaram uma criatura? ー indagou, transtornada, e se virou bruscamente na direção dele. Depois de semanas mergulhando na enorme espiral de desaparecimentos, correndo atrás de pistas como um inseto corre atrás da luz, essa era a primeira vez que ouvia algo que parecia... útil. Mais do que isso, vital. Talvez aquele fosse o empurrão que faria tudo fazer sentido, que derrubaria as perguntas, uma a uma, como uma longa fileira de dominó.

Mas não poderia ser. O universo não abandonaria sua piada assim.


ー Imaginei que você fosse dizer isso.

Retrucou Kuina diante da renúncia do rapaz, e então tomou um momento para pensar. Ela se virou, caminhou até a mesa e se sentou. As montanhas de papel na sua frente, lembrando-a do trabalho titânico que a aguardava no fim do dia. Ayato lidava com esse tipo de coisa sozinho diariamente. Sem esboçar um sinal de cansaço, inclusive. Nessas horas ela adoraria ter um pouco do vigor dele. Mas infelizmente, ela não era Ayato. E infelizmente, ela estava cansada.

ー Houve um motivo para eu chamá-lo aqui. A Central 46 já selecionou um capitão para substituir Awashi no caso de seu desaparecimento ser oficializado. Ainda não sei quem é, e duvido que eu consiga saber antes que assuma o cargo. Mas não posso confiar nele. Sem Awashi lá, na verdade, não posso confiar em ninguém.

Dito isso, houve uma pausa. E seus olhares se cruzaram.

ー Ninguém, exceto você. A única pessoa em quem eu sei que Awashi confiava. Por isso quero ter certeza de que essa conversa ficará só entre nós dois. Não pretendo ficar no seu caminho, mas com você fora da Gotei 13, sinto que vou perder toda a conexão com a Onmitsukidou. E alguma coisa dentro de mim insiste que essa organização é uma peça chave para entender os desaparecimentos. Entende o que eu quero dizer? Preciso de você. Digo isso não como capitã-comandante da Gotei 13, mas sim como companheira de Tsujikaze Awashi.

Seus olhos fitaram o rapaz. Não eram olhos de quem dava uma ordem. Aizawa poderia ver claramente. Eram olhos cansados de quem já havia virado dezenas de noites pensando, e pensando. E pensando, só para ter seus pensamentos interrompidos pelo nascer do sol e perceber que não chegou a conclusão nenhuma.

Ela apontou com o dedão para a varanda.

ー A última vez que o vi foi no Distrito 66, ao sul do Rukongai. Kuramoto Aizawa, descubra o que diabos aconteceu com Awashi, e também onde essa criatura está sendo mantida. Descubra rápido, e me ajude a chegar mais perto, ainda que meio passo, de solucionar este maldito mistério.

Considerações: