Um Shinigami, uhn? Ainda era estranho pensar que uma pessoa marginalizada como eu havia chegado até ali, não muito tempo atrás sequer era capaz de me imaginar caminhando em distritos com numerações tão baixas.- Ajudar com a limpeza de uma loja de penhores? - Repeti o pedido da missão comigo mesmo. - Que tipo de pessoa faz uma requisição dessas? - Resmunguei comigo mesmo sem demonstrar muito interesse, aquele não era exatamente uma grande missão heroica, porém se alguém precisava de ajuda isso já era o suficiente.

O distrito onde a missão se passava era o 31º e admito que aquele lugar era quase como um conto de fadas quando comparado ao 70º onde cresci, porém uma coisa era bem familiar mesmo pra mim: os olhares e cochichos de quem me via caminhando pela rua, sinceramente isso nunca me incomodou muito, já estava acostumado com as pessoas me julgando pela aparência ou simplesmente pelas histórias exageradas que contavam a meu respeito, porém nada disso mudava o que eu precisava fazer.

Após algum tempo caminhando, algo no mínimo peculiar chamou minha atenção. - Hum? - Arqueei uma das sobrancelhas, olhei de um lado para o outro e então finalmente para a frente. - O endereço está certo? - Comentei comigo mesmo enquanto coçava a cabeça. Podia jurar que estava no lugar certo, porém tudo o que tinha à minha frente era uma grande pilha de sacolas, caixas e… Bem, lixo no geral eu diria. Algumas pessoas nas proximidades pareciam estar falando a respeito daquela pilha suspeita e me aproximei para tentar entender o que estava acontecendo. - Com licença, mas não deveria ter uma loja de penhores por aqui? Ali eu acho. - Apontei na direção da pilha de lixo.

- Ah, sim e aquela é a loja de penhores! - Respondeu uma das pessoas me olhando dos pés a cabeça com certo receio. - Uhn? Ah, claro aquela é a loja de penhores…- Meneei a cabeça concordando para fingir que tinha entendido.  - … Ehn? Espera, espera, espera. Aquilo é uma montanha de lixo! Como pode ser uma loja?! Tá me achando com cara de idiota por acaso?! - Questionei frustrado com sua colocação, porém minha súbita mudança de comportamento pareceu assustar as pessoas que recuaram um passo por reflexo. Antes que pudesse tentar me justificar, algo - ou melhor, alguém saiu bufando do meio da pilha de sacos. - O QUE VOCÊ ESTÁ CHAMANDO DE LIXO AQUI SEU MARGINALZINHO? VOCÊ TÁ QUERENDO MEUS TESOUROS?! HAM? HEIN?! - Um homem segurando uma vassoura, meio corcunda, avançou em minha direção e bateu com o cabo da vassoura na minha cabeça.

Minha única reação diante aquele caos foi simplesmente… Piscar algumas vezes, olhar em volta e tomar a cabeça de lado. - Ehn? Mas como… Quando… Você?! - Apontei na direção da pilha, depois na minha própria direção e então para a pilha de lixo, minha cabeça se movia de um lado para o outro bem como os braços, havia sido informação demais em um curto período de tempo! - Ai, minha cabeça! - Só então percebi que tinha sido atingido e levei uma das mãos até a região onde cresceu um pequeno galo.

Com um pouco de tempo e calma a pessoa que saiu do meio da pilha de sacolas me explicou a situação, aparentemente aquelas sacolas e caixas eram mercadores da loja de penhores, porém ele já estava acumulando tantas que foi tentar organizar tudo sozinho e acabou em meio aquela caos: sacolas, caixas e diversas bugigangas espalhadas pela calçada de sua loja, eram tantas, mas tantas que sequer tinha percebido que existia uma loja por trás daquela pilha de tranqueira. - Certo deixe comigo! O Shinigami e herói de meio período Sakurai vai lhe salvar dessa pilha de… “Tesouros”.

Sinceramente eu não sei como alguém sequer era capaz de acumular tantas caixas, sacolas e tranqueira, nos primeiros minutos aquela tarefa parecia que nunca teria fim, por mais que organizássemos e jogássemos fora o que não prestava mais, o trabalho não parecia ter um fim. Após algumas horas eu já era capaz de ver algum progresso, mas foi apenas após algumas boooooas horas carregando caixas pesadas, descartando lixo, organizando prateleiras e bugigangas em geral que finalmente a calçada voltava a estar livre, bem como a fachada da loja visível.

- Uuuhg, nada como um bom e velho trabalho braçal para esnobar o homem. - Sequei algumas gotas de suor que escorriam pela testa. - Eu acho que o ditado não é bem assim… - Resmungou o comerciante. - Humf… Enfim, espero que da próxima vez não espere que as coisas cheguem nesse estado tão caótico para pedir ajuda. - Comentei em meio a um largo sorriso. - Mesmo assim, quando precisar de uma forcinha já sabe quem chamar! - Acenei para o rapaz corcunda que esboçou um leve sorriso de agradecimento e acenou de volta, mesmo que me tenha olhado torto no começo era esse sorriso final que fazia tudo valer a pena, os olhares que me julgavam eventualmente se tornaram de gratidão como aquele, não que esse fosse o motivo por trás do que eu fazia, afinal de contas um herói não precisava de motivos para ajudar os mais fracos.

Ajudar o comerciante com aquela pilha de lixo da qual ele fazia questão de chamar de tesouros tinha me deixado mais cansado do que imaginei. - Huh, acho que estou fora de forma. - Inspirei fundo e em seguida soltei o ar aos poucos. - Certo, vamos resolver esse problema! - Bati no rosto com ambas as mãos e então plantei bananeira no meio da rua! - Saaaai da freeeeente que a locomotiva tá passando! - E com um grito de guerra comecei a correr utilizando as mãos em vez das pernas, afinal de contas se corresse da forma mais difícil seria mais eficiente do que correr com as pernas, era assim que funcionava, certo… ?!

Os olhos curiosos que me acompanhavam com frequência pareciam ainda mais intensos do que de costume, será que isso era efeito da minha fama estar crescendo?! Há! Claro, o que mais poderia ser? Logo todos saberiam que Sakurai, o herói de Rukongai sempre estaria ali para protegê-los! A corrida pelos distritos ia bem, já tinha saído do 31º e estava por volta do 20º e alguma coisa, isso claro até que de repente…

BUM!

- Huurg! - O mundo girou e perdi a noção de onde estava o chão e o céu por alguns instante, quando me dei conta estava de costas contra uma grande árvore. - Aaarg! Quem colocou isso aqui?! - Reclamei enquanto coçava a cabeça com uma das mãos, permaneci deitado por um tempo enquanto observava uma grande quantidade de folhas caindo seguindo o ritmo do vento, aquela cena atiçou minha curiosidade e tentei pegar uma das folhas que vinham em minha direção, porém antes que pudesse fechar o punho ela mudou de direção graças a uma fraca rajada de vento e caiu no chão. - Heim?! - Aquilo me irritou um pouco, então me levantei de uma só vez e me coloquei em guarda. - Beleza vento, você acha que é melhor do que eu né?! Faça seu melhor então! - E assim comecei a pegar as folhas das árvores antes que chegassem ao chão.

Inicialmente parecia uma tarefa fácil, mas conforme rajadas de vento mais fortes batiam na copa da árvore, mais folhas caiam em ritmo e direções distintas, com um rápido trabalho de pés eu corria de um lado para o outro na horizontal, quase como um siri, porém às vezes a velocidade era tamanha que apenas fazia o vento empurrar as folhas para mais longe, enquanto isso as folhas do outro lado caiam. - AAAARG! VAMOS PERNAS TEMOS QUE VENCER O VENTO! OOOOOOOH! - E cada vez mais tentava ir mais e mais rápido, porém quanto mais rápido eu ia, mais longe as folhas iam também. - Pobre coitado, deve ter enlouquecido quando bateu a cabeça na árvore… - Murmurou um sujeito que passava pela área.

Após algumas horas minhas mãos estavam repletas de folhas, porém o chão também. - Huuum… São tantas que não consigo contar… Então vamos considerar um empate. - Concordei comigo mesmo balançando a cabeça. - EI SEU VANDALO O QUE ESTÁ FAZENDO COM A ÁRVORE?! - Uma pessoa gritou, olhei para cima e só então me dei conta de que a árvore estava quase sem folhas.  - Ei, ei, ei! Eu não fiz nada, foi o vento! O vento! - Balancei as mãos cheias de folhas. - EU VOU TE MOSTRAR O VENTO SEU MERDINHA! - O sujeito furioso começou a correr em minha direção, em resposta minha única reação foi… CORRER PELA MINHA VIDA!

Sem sequer perceber eu já tinha retornado ao 5º esquadrão, olhei para trás só por precaução para ver se aquele maluco das folhas não estava me perseguindo ainda. - Peeeh… Canalha… A culpa nem… Foi minha… ! - Comentei comigo mesmo pausadamente enquanto tomava ar mantendo as mãos apoiadas nos joelhos. O dia tinha começado com uma missão esquisita de limpar o lixo de um colecionador excêntrico e só piorou com o maníaco das folhas. - É cada maluco que tem por aí.

Após tomar um pouco de ar ergui a cabeça novamente e me deparei com uma área atrás do dojo onde existiam alguns bonecos de treino de madeira, me aproximei um pouco deles e fui passando a mão direita em um por um enquanto caminhava pelo local, os shinigamis tendiam a utilizar suas zanpakutous para tudo, quando não aquelas técnicas esquisitas, como era mesmo o nome? Kiko? Kid? Kiodo? Algo assim eu acho. - Mas eu prefiro os clássicos. - Parei de frente para um dos bonecos de madeira, ergui os punhos e um pouco o joelho direito, assumindo minha postura de combate. - Era parecido com isso, certo, mestre Vasco?

- Soco, soco, chute! - Murmurei comigo mesmo enquanto golpeava o boneco seguindo um padrão especifico, primeiro um soco de direita, depois um de esquerda e por fim um chute lateral com a perna direita, eventualmente alternava os membros e as direções, porém o padrão era parecido, sempre dois socos e um chute. Conforme ia aquecendo os golpes ficavam cada vez mais rápidos e comecei a alternar mais, dois socos e uma finta, a perna que começava o chute retornava ao chão de forma abrupta e me servia de apoio para girar em meu próprio eixo e atacar com a outra perna. Eventualmente em vez de dois socos alternei para um soco e dois chutes de lados diferentes, cada vez mais rápido e intenso.

Estava tão focado e imenso nas repetições que sequer prestei atenção no tempo e na força que estava aplicando, isso até que eventualmente meu punho atingiu o fantoche tão forte que sua cabeça simplesmente saiu voando em direção a uma das árvores mais ao fundo. - Aaarg, droga aconteceu de novo! -  Exclamei olhando para os lados para verificar se ninguém tinha notado. - Mestre Vasco é como você disse, nessa postura é matar ou morrer, acho que até com os fantoches. - Recordava-me de suas palavras com um sorriso no rosto, aquela não era uma postura que eu podia usar levianamente, pois havia o orgulho do combatente onde a derrota não era uma opção.

O cansaço já estava tomando conta do meu corpo, limpar pilhas de tranqueiras, correr por diversos distritos de Rokongai depois da minha briga contra o vento e, agora praticar o estilo de combate do meu antigo mestre já tinha sido minha cota do dia, não havia mais energia para nada. - Taaaaa, chegou! Até os heróis merecem um descanso de vez em quando! - E com isso dava por encerrada aquela bateria de tarefas.