Um novo dia, uma nova missão, o dia anterior tinha terminado de maneira tão estranha que sequer conseguia lembrar de todos os detalhes ou como sequer cheguei ao dormitório, tinha alguma coisa envolvendo peixe cru, a quinta e a quarta divisão, uma bomba e uma morte. - Mais um dia normal com esses lunáticos. - Comentei comigo mesmo em meio a um bocejo. A vida no Seireitei era realmente diferente, diferente de como levei minha vida antes de me tornar um Shinigami, porém uma coisa não mudava independente de onde eu estivesse: os olhares, mesmo outros Shinigamis me olhavam daquela maneira com a qual já estava acostumado, como se eu não fosse bem vindo, como se não pertencesse a aquele lugar, porém só existia um único lugar onde esses olhares não eram tão intensos: a quinta divisão, afinal de contas perto dos esquisitos que tinham por ali eu sequer podia ser considerado diferente.

- Huuuum… Acho que vou passar o café. - As memórias do dia passado ainda faziam meu estômago doer, acho que depois da noite passada não queria mais ver peixe pelo resto da vida.  Mesmo um pouco indisposto eu ainda tinha uma nova missão, uma que envolvia um local a qual eu não retornava a algum tempo. - Aqueles malditos não param de causar problemas. - Resmunguei em meio a um suspiro, o lugar no qual me decidi tornar um herói parecia clamar pelo seu herói agora por mais que não soubesse disso.

Aparentemente algum rebelde estava se escondendo no distrito norte, mais especificamente nas redondezas do 70º distrito, contudo aquele era só seu esconderijo e ele causava problemas era mesmo nos distritos mais baixos e posso entender a lógica por trás disso, afinal de contas isso sempre foi muito comum mesmo na época em que morei por lá. Decidi iniciar minha busca pelos distritos de numerações mais baixas, facilitaria minha vida se pudesse encontrá-lo sem precisar me esgueirar por aquela região que me trazia tantas lembranças e sentimentos conflituosos.

Conforme avançava pelos distritos parava para perguntar para algumas pessoas sobre os incidentes envolvendo o rebelde, porém sem qualquer sucesso, a maioria das pessoas me evitavam mesmo que eu estivesse vestido como um oficial, outros só comentavam sobre boatos e alguns sequer sabiam do que eu estava falando. - Aaarg, beleza vai ser do jeito difícil então. - Bufei inconformado, então não tinha outro jeito né? Acho que desde o inicio não houve, eu teria de enfrentar meu passado, o centro do problema: o distrito 70.

Pouco a pouco a atmosfera dos distritos ia mudando conforme seus números aumentavam, todo o ar de superioridade que os civis dos primeiros distritos exalavam ia ficando de lado e o cenário clássico da sarjeta onde cresci ia se destacando. - As coisas nessa lixeira não mudam, né? - Alternei o olhar de um lado para o outro na tentativa de recordar de qualquer coisa que pudesse me ajudar na missão, um local que os delinquentes frequentava, grupos suspeitos, mendigos e qualquer outro tipo de depravado esquisito.

Não entenda errado, eu não estava cuspindo no prato em que comi - apesar de já estar bem cuspido pra dizer o mínimo, mas aquele não era exatamente o lar feliz do qual sentia qualquer sentimento quente de felicidade, na verdade tudo que me lembrava era que precisei lutar dia após dia para sobreviver e para proteger aqueles que precisavam da minha ajuda, a origem do herói das favelas do distrito norte,  essa foi uma decisão que tomei no dia que percebi que ninguém viria nos proteger, ninguém ligava para aquelas pessoas e pelo visto isso não tinha mudado nos últimos anos que estive fora.

Os olhares que recebia agora diferiam dos olhares dos distritos anteriores, eles me olhavam com cautela e até ameaça, afinal de contas, por que um Shinigami como eu estaria por ali? Enquanto isso outros simplesmente cuspiam no chão quando eu passava e alguns cochichavam nas sombras. - Lar doce lar, é assim que me recebem após tanto tempo seus imundos? - Abri bem os braços como se fosse abraçar o vento ao mesmo tempo em que esboçava um largo sorriso, é, era horrível estar de volta.

Estar de volta após tanto tempo era estranho, pensei que quando chegasse sentiria algo mas a verdade é que não senti nada, sem saudade, pena ou qualquer outra coisa, era apenas um local qualquer agora, um onde um procurado estava se escondendo. - Certo, não sou bem vindo então né? Que seja, eu não vim aqui para nenhum tipo de reunião de família mesmo. - Dei de ombros e continuei andando pelos becos e vielas.

Decidi ir até um ponto onde alguns criminosos com a qual já tinha arrumado confusão no passado costumavam frequentar, e para surpresa de zero pessoas não é que eles estavam lá ainda? - Essa lixeira ainda é frequentado pelos mesmos ratos, vocês não cansam desse lugar não? - Comentei coçando a cabeça e me aproximando. O local em questão era uma espécie de bar, se é que podia ser chamado assim, seu interior era dominado por uma fumaça densa de um fumo incessante, vagabundos e criminosos dos mais variados tipos estavam largados para todo lado e, todos, sem exceção me encararam no momento em que entrei. Talvez fosse pelo meu passado ou pelo uniforme de Shinigami, mas nenhum deles ousou levantar de onde estava ou me responder, uma pena já que estava morrendo de saudades.

- E aqui estamos nós de novo, Eddy. - Me sentei no banco sujo do balcão e bati a ponta dos dedos da mão direita sobre o local. - Já faz algum tempo, velho amigo. - Esbocei um leve sorriso para o homem robusto e de barba grisalha que estava limpando um copo do outro lado do balcão. - Então os boatos eram verdadeiros, você se juntou a aqueles ceifadores de nariz empinado. - Retrucou sem desviar o olhar do copo de suas mãos. -  Pois é, eles são um bando de riquinhos metidos mesmo, acho que a maioria deles sequer viu um lugar como esse na vida. - Meneei a cabeça de um lado para o outro observando o ambiente. - Um dia desses fui em um lugar onde servem um sushi ótimo, o lugar é tão limpo que acho que você pode comer direto do chão sem problema algum, na verdade talvez eu tenha feito isso. Mas aqui? Uuuh, você não limpa isso aqui não? Sinto a pele dos meus dedos derretendo só de tocar nesse balcão. - Esfreguei as pontas dos dedos uma conta as outras.

- … Você está incomodando meus clientes, então vá direto ao ponto Sakurai, sei que não veio aqui para falar como sua nova vida é melhor e de como somos porcos em um chiqueiro. - O sujeito engrossou a voz mas continuou a evitar o contato visual.

- Guahahahah! Direto como sempre não é Eddy? É por isso que gosto de você meu amigo, você sabe como eu sou. - Girei no banquinho em que estava sentado, o ranger do metal velho foi a única coisa que ecoou pelo bar. - Amigo o meu rabo, se não quiser nada vaza, sua laia não é bem vinda aqui. -  Pude jurar que vi uma veia saltar em sua testa, sera que ele estava bravo por alguma coisa? - Ta, ta, ta… Já percebi que não sou mais bem vindo aqui, digo, acho que nunca fui. - Dei de ombros. - Então vamos direto ao ponto… - Coloquei uma das mãos sobre o balcão e olhei na direção de Eddy ainda com um leve sorriso. - Você sabe porque estou aqui Eddy, eu quero saber onde ele está, o rebelde, me diga onde ele está e eu vou embora.

Minha pergunta fez com que o ar no bar ficasse ainda mais pesado, os olhares desconfiados se tornaram ameaças e Eddy finalmente parou de secar o copo e olhou em minha direção. - Você devia ir embora Sakurai, não, Shinigami. - Comecei a ouvir uma movimentação pelos cantos do estabelecimento, céus, eles realmente estavam querendo me atacar? Depois de tudo que fiz por eles? Digo, pra maioria só dei uma surra por algum crime que cometeram, mas ainda sim a maioria deles me devia de alguma forma.

- Huuuum… - Cocei o queixo com uma das mãos. - Eu não sou muito bom com as palavras Eddy, acho que nenhum de nós é, mas você está errado. - Me levantei do barco e mantive as mãos sobre o balcão. - Roy, eu salvei sua mãe daqueles vagabundos que queriam roubar sua comida, Esteny quem protegeu seu filho daqueles valentões que queriam roubar suas roupas? Kym, quem te carregou até os médicos quando você quebrou as pernas caindo daquela árvore? Eddy, quem te ajudou quando incendiaram esse bar? Foi o cara bebendo ao seu lado, seus seus clientes? Foi o rebelde que estão protegendo? - Bati com firmeza no balcão com uma das mãos. - NÃO, FUI EU, PORRA! - Virei a cabeça de um lado para o outro, fintando  todos ali que se escondia na fumaça densa.

Percebi que tinha me exaltado e suspirei, recobrando a compostura. - Eu me tornei um Shinigami? É eu me tornei porque não queria passar o resto da minha vida como vocês, e não estou falando da sujeira ou do poder, mas todos vocês… Já desistiram. - Virei de costas e comecei a caminhar lentamente para a saída, era doloroso ver tudo aquilo, aquelas pessoas sem qualquer esperança eram negligenciadas e tinham aceitado isso, criminosos horrendos? Não… Aqueles idiotas eram apenas pessoas que desistiram de tudo, me pergunto se eu também terminaria assim se não fosse por aquela pessoa… - Sinto muito Eddy, eu sou um herói terrível. - Mesmo que eu tenha ido embora para me tornar um herói, no fim não tinha só me tornado um Shinigami esnobe como os outros por negligencia-los? Talvez fosse apenas mais um arrogante assim como os demais.

Empurrei a porta para sair, mas nesse momento senti uma mão sobre meu ombro. - A antiga casa de apostas, ele está lá. - Eddy, no fim das contas ele ainda… - Agora vá, seu herói idiota. - É claro, ele nunca deixou de acreditar mesmo que todos os outros rissem pelas minhas costas. - Você sabe que não gosto que me chamem de idiota, seu idiota. - Um leve sorriso se abriu no canto dos meus lábios. - Obrigado. - Revigorado e com um novo objetivo em mente tracei meu rumo em direção a antiga casa de apostas onde esperava encontrar meu alvo. - Eles sentiriam orgulho de você também, garoto.

A antiga casa de apostas estava tão acabada quanto me lembrava dela, aquele lugar algum dia serviu como ponto de encontro de alguns vigaristas, porém os próprios trouxeram seu próprio fim por pura ganância, isso soava até clichê, mas era como naquele ditado estranho, dente por dente e todos terminam cegos, nunca entendi o que dentes tem a ver com ficar cego, mas talvez fosse alguma mensagem estranha de como todos terminam cegos em um conflito. - Que tipo de idiota inventa esses ditados sem sentido?

De qualquer forma, lá estava ele como Eddy me indicou, o rebelde estava sentado sobre uma mesa velha de jogos de carta. - Uh? Um Shinigami? Aqui? - Ao me ver entrando o rapaz cambaleou para trás e quase bateu a cabeça contra  parede. O sujeito em questão era um pouco mais baixo do que eu, tinha uma aparência jovial, porém seu corpo era bem treinado e musculoso. - Espera… Eu sei quem você é… - Seu olhar de surpresa se tornou ameaçador. - Você é aquele marginal que acha que é um herói, cão da quinta divisão. - Cuspiu no chão.

- Uau quase me fez corar de tantos elogios. - Coloquei as mãos sobre as bochechas. - Eu também ouvi falar sobre você, o rebeldezinho do Sereitei que falhou no teste da academia e agora tá causando confusão e se escondendo nas favelas de Rukongai. - Ergui as mãos e dobrei um dos joelhos, colocando-me em posição de combate. - Agora cerre os dente se não quiser ficar sem eles. - O rebelde também se colocou em posição e ergueu os punhos. - Acha que sou tão fraco que não precisa nem da sua zampakutou? Vai se arrepender disso. - Avancei em sua direção e nossos punhos passaram um pelo outro, acertando a face um do outro. - Zampakutou? Eu nem sei como balançar essa coisa pontuda. - E com um sorriso presunçoso nossa batalha teve inicio após o soco de boas vindas.

Lutar com os punhos sempre foi o meu forte, o que era estranho já que os Shinigamis costumavam usar suas espadas para tudo, mas não era isso que era estranho? Seres que conseguem conjurar feitiços poderosos que desafiam a lógica não sabiam como lutar sem suas armas, mas isso valia pra mim também já que não sabia como lutar sem meus punhos e pernas. Com um rápido trabalho de pés troquei de base e ataquei com o punho esquerdo visando o rosto do sujeito que se esquivou e contra-atacou, habilmente segurei seu punho com a mão livre e lhe ataquei com um chute lateral. - Hrum… ! Como um primate como você passou no teste e eu não… ? - Resmungou. - Porque o herói sempre vence no fim.

Nosso confronto se prolongou por mais alguns minutos, mesmo tendo fracassado no teste tenho que admitir que ele era bom e as marcas que deixou em meu corpo eram a prova. - Você é… Bom, mas… - Respirei fundo e avancei em sua direção fingindo um soco direto, o rapaz ergueu a guarda mas no ultimo instante tudo que lhe tocou foi um dos meus dedos. - Tsukiyubi. - Uma técnica simples mas eficiente, principalmente contra pessoas sem experiência de combate real. - Você nunca lutou de verdade, não é?  Mas você ainda é um cara mau que precisa de uma lição. -E assim nosso rebelde encontrou seu fim perdendo a consciência após se chocar contra a parede.

- Vamos lá Sr. Rebelde, algumas pessoas querem muito te conhecer. - Peguei o rapaz desmaiado e joguei sobre um dos ombros, retorci um pouco o rosto porque tinha me esquecido que havia sido atingido naquela área durante nossa troca de golpes. - Que desperdício de talento… - Os motivos daquele homem não me importavam, ele era um cara mau que estava cometendo crimes e eu precisava levá-lo sub custódia, mas ainda sim era triste já que talvez eu pudesse ter terminado como ele se meu passado não tivesse sido salvo por aquela pessoa que me deu um novo motivo para lutar. - Meu próprio reflexo do passado? Mas que merda é essa que passou pela minha cabeça? Eu nunca fui tão otário assim. - Balancei a cabeça de um lado para o outro e fui em direção ao esquadrão onde entregaria minha presa capturada.