Eu não diria que uma pilha de livros é um bom travesseiro. Não é fofo, sabe? Certamente não faz bem para o pescoço. No entanto, quando o sono bate no meio da madrugada e você só tem os livros da biblioteca para lhe fazer companhia, é bem fácil esquecer o conforto e simplesmente desabar ali debaixo da mesa de leitura mesmo. Eu já conhecia todos os livros guardados naquela sala por gerações da família Kurosawa, então eu estar ali sequer significava uma aventura em prol de uma nova descoberta. Mesmo assim, aquele ambiente me era tão... familiar. Mais que meu quarto, onde eu deveria passar a maior parte do meu sozinho. Mais que até mesmo o salão do meu esquadrão.

Quando eu me dei conta, foi pela minha baba encharcando a página do livro abaixo da minha cabeça ao ponto de eu sentir meu rosto molhar. Primeiro assustado por ter estragado o livro e depois aliviado por ver que era apenas um livro de receitas velho, inclinei o corpo para trás com as mãos apoiadas no chão e virei a cabeça até ter uma visão de cabeça para baixo da janela. O sol já tinha aparecido e naquele dia eu tinha um encontro com alguém importante.

Os treinos dos Kurosawa eram uma tradição. Lembro de demorar a aceitar participar deles, mas que depois me acostumei ao ritmo acelerado e inevitavelmente competitivo que essas reuniões sempre pareciam ter. Para provar o que eu estou falando, antes mesmo que conseguisse cumprimentá-la, uma sombra despontou ao longe e sumiu para já reaparecer na minha frente ponta para um corte perigosamente próximo do peito. A única coisa que consegui fazer foi estender minha mão esquerda rente à minha barriga e sem mesmo recitar o encantamento um círculo se formou entre eu e a garota. "Iniciar e pressionar", pensei com um sorriso no rosto. Minha irmãzinha não mudava mesmo.

E nem eu.

— Bom diaaa. — respondi puxando a última sílaba de um jeito involuntariamente fofo. O círculo defensivo sumiu logo em seguida e dei um grande salto para trás. Ao contrário de Nobara, meu estilo era de combate era de longa distância. Claro que ela sabia disso e por isso encurtou nossa distância logo de cara, mas eu ainda tinha um ou outro truque novos — O primeiro a atingir o outro vence. — declarei. Minha mão direita repousou sobre o cabo da minha zanpakutou. Menor que a maioria, ela era na verdade uma tantou com detalhes azulados. Eu sou conhecido por ser péssimo em combate armado, mas o blefe faz parte da batalha, certo?

técnica utilizada:

Quando percebi que o blefe de colocar a mão sobre minha espada não funcionou, acabei dando uma respirada involuntária soltando ar pelo o nariz como quem expressa um "já imaginava". Apesar disso ter sido previsível, o que veio em seguida certamente me pegou de surpresa. O fato de termos estilos tão distintos significava não estudarmos as mesmas coisas e, consequentemente, termos aprendidos coisa nova e bem diferentes sempre que nos encontrávamos para um sparring. Sendo assim, até mesmo um passo mais para a esquerda poderia ser a surpresa crucial para que alguém saísse como o vitorioso do dia.

Naquele instante, eu relembrei como Nobara é veloz. Como alguém que desde cedo teve problemas em se manter no mesmo nível de outros Ceifadores quando se tratava do uso do Shunpo, vê-la usando tal técnica com tamanha naturalidade me deixava feliz. Apesar de termos os nossos momentos de rivalidade, a maior parte do tempo eu apenas torcia para que ela ficasse cada vez mais forte. Não era sobre ganhar ou perder o treinamento, era sobre a nossa evolução pessoal.

Num piscar de olhos eu senti a lâmina fria da espada de Nobara encostando no meu pescoço. Com um assovio de surpresa, eu inclinei a cabeça um pouco para trás devagar como se tentasse afrouxar um pouco o contato da minha pele com o aço. Se eu tentasse me mover, acabaria saindo com um novo ferimento; o que eu não queria. Sendo assim, a minha única opção seria me render, certo?

Errado.

Com o corpo todo relaxado, a única coisa que fiz foi virar de forma sutil a palma da minha mão esquerda um pouquinho para trás e então mais um Kidou sem encantamento foi conjurado. Com um brilho escarlate, uma rajada explosiva deveria surgir e me livrar daquela posição de desvantagem. Se atingisse Nobara, provavelmente ambos seríamos lançados pela explosão. Uma manobra arriscada, é verdade. Se não a atingisse, no entanto, significaria que ela me soltou para se esquivar. Nesse caso, eu estaria livre. Aquela era a aposta.

considerações:

técnica utilizada:

Ouvir a provocação de Nobara serviu apenas para colocar um sorriso no meu rosto novamente. Sim, minha estratégia foi bem sorrateira, mas eu fiz o que precisava fazer para me manter no páreo. No entanto, apesar de sorrir, em meus pensamentos eu estava preocupado. Nobara me pressionou bem nos primeiros momentos do combate e me obrigou a utilizar meus dois Kidous principais. Esse tipo de poder não pode ser conjurado várias vezes em sequência, então daquele ponto em diante eu teria que me valer do meu próprio corpo — que não era tão confiável assim — e minha astúcia para conseguir fazer aquilo durar um pouco mais. Ao fundo, Shakkahou finalmente atingiu uma árvore e o barulho de explosão ecoou junto de uma fumaça vermelha subindo pelo ar.

— Espero que não tenha acreditado que era mesmo minha intenção lhe atingir. — lancei de volta enquanto levantava os punhos e afastava as pernas. Minha postura de combate era correta, mas era como ver uma versão amadora da mesma postura de Nobara. Se por um lado eu sou horrível com a espada, por outro eu consigo dar um ou dois chutes sem parecer um Shinigami em treinamento. O fato de minha irmã parecer cair no soco era bom, porque pelo menos parecia indicar que eu tinha alguma chance... ainda que bastante remota.

Daquela vez, eu respondi sua aproximação acelerada com meu próprio uso de Shunpo. Desacostumado, eu já parecia respirar mais forte assim que nos aproximamos. A perna de Nobara subiu e minha primeira reação foi cruzar os braços à frente do corpo para bloquear. O que eu não esperava era que aquilo fosse um blefe. Meus olhos se arregalaram quando sua ofensiva foi interrompida e sua lâmina veio direto na direção do meu braço. Surpreso, eu senti a lâmina passar poucos centímetros abaixo do meu ombro. Pelo visto, eu tinha perdido o confronto daquele dia.

— Que chato. — resmunguei cruzando os braços como uma criança mimada e me jogando sentado no chão. Eu levei alguns segundos para desfazer a expressão emburrada e levantar a cabeça encarando Nobara — Você quer que eu te ajude a treinar alguma coisa?

considerações:

técnica utilizada:

Esperei pacientemente que Nobara cuidasse do pequeno corte. Apesar da expressão emburrada, eu não estava genuinamente com raiva dela, no máximo frustrado por não ter conseguido antecipar sua finta mesmo depois de anos lutando um contra o outro. No fim, apenas aceitei que aquilo entrava no fator estarmos sempre evoluindo. Daquele dia em diante, eu ficaria mais atento àquele tipo de movimentação e, mesmo perdendo, eu aprendi algo novo durante aquele encontro. Apesar da agitação de antes, os minutos de calmaria vieram logo em seguida. Não duraram muito, no entanto, quando em um estalo percebi que Nobara tinha mudado.

Seu pedido para continuar o sparring era esperado. Independente de quem estivesse sob controle, eu sabia que aquilo não tinha acabado. Ainda assim, por saber que eu não seria um oponente físico à altura, eu acabei me esforçando bem mais do que o necessário para lhe dar um desafio. Provavelmente fui o primeiro a cansar, mas mantive os socos e chutes indo em direção à minha irmã e mesmo me sentindo no limite eu continuei dando tudo de mim a cada pedido seu de elevar a dificuldade. Minhas mãos doíam, mas aquilo não importava se ao final daquele dia Nobara tivesse aprendido algo novo. Já estava anoitecendo quando me permiti cair no chão e depois de alguns bons minutos ofegando ao ponto de sentir um gosto ácido no ar, finalmente voltei para meus aposentos no Distrito do Terceiro Esquadrão.

Ainda que cansado, eu ainda não estava satisfeito. Ainda incomodado pela forma que fui surpreendido pela finta de Nobara, eu recorri à biblioteca e pesquisei noite a dentro sobre reflexos e leitura corporal. Eu sabia que mesmo não tendo um porte físico exemplar, eu conseguiria, com inteligência, me manter à altura de outros combatentes físicos que tentassem me surpreender daquela maneira no futuro. Na manhã seguinte, com a ajuda de um Oficial, eu tentei colocar tudo aquilo em prática e treinar minha mente para antecipar o movimento inimigo. Naquele dia, levei algum tempo até registrar mentalmente alguns vícios do Oficial em questão que me permitiu antecipar seus movimentos a partir de certo ponto. Por exemplo, ele sempre pisava mais forte e firmava sua base com o pé direito antes de dar um soco com a mão esquerda. Percebi que pessoas diferentes possuem manias diferentes e que um guerreiro com várias batalhas na conta consegue perceber isso mais facilmente. Astúcia está ligada a experiência também, no fim das contas.

considerações: