O ambiente era a biblioteca da Terceira Divisão. Normalmente bem organizada, eu tinha pedido para ela ser fechada para uma sessão de leitura com o Capitão Harley e acabei me sentindo confortável em deixar livros jogados por todo lado conforme ia os pegando e perdendo o interesse. Eu queria criar um clima confortável para explicar uma frustração recente minha porque mesmo que eu nos considere próximos, tem uma diferença entre discutir assuntos técnicos do esquadrão e minhas percepções pessoais do meu desempenho enquanto seu braço direito.

Minha relação com Harley é antiga, antes mesmo de termos sequer nos cumprimentado pela primeira vez. Ainda um simples iniciante nas Artes Demoníacas, naquela época eu vi ele lutar e automaticamente o coloquei num pedestal de nível de poder a ser alcançado. O fato dele parecer ser tão mais jovem que os outros, assim como eu próprio não pareço envelhecer tanto assim, também contou pontos positivos de identificação. Quando despertei minha Shikai e ela tomou a forma de um livro tal qual a do Capitão eu pensei ser algum tipo de sinal. Anos depois, meu desempenho me garantiu um convite formal para me tornar seu Tenente. Eu sou muito grato por isso.

— Eu estive monitorando com cuidado os relatórios das últimas missões. Não tivemos muitas falhas, mas... Entre uma das que tivemos existe uma minha. Eu não sei o que aconteceu, era algo tão simples. — reclamei. Eu estava sentado no chão de braços cruzados com uma cara de criança emburrada. Eu estava claramente incomodado com aquela situação da missão de antes e embora parece com raiva, meu sentimento real estava mais para vergonha.

Meu capitão e eu tínhamos essa consideração perceptível quanto aos livros como um traço em comum. Eu normalmente não os trato daquela forma, digo, de deixá-los espalhados e abertos de qualquer jeito por onde passo, mas a frustração que eu estava sentindo acabou sendo mais forte que meus próprios costumes. Foi por isso que quando eu levei uma bronca pela forma que estava agindo, eu sequer retruquei. Minha lamentação foi interrompida por um momento de aparente desabafo de Harley, o que me pegou de surpresa. É verdade que não conversávamos muito sobre nossas vidas pessoais, mas aquilo parecia natural para mim; apesar de eu tê-lo como figura de inspiração, nossa relação era verdadeiramente apenas profissional.

A novidade foi entender que Harley também percebia esse distanciamento e, mais que isso, também parecia desejar mudar essa situação. Sentado no chão, eu ainda queria que tivéssemos uma chance de falar sobre o que tinha acontecido na última missão, mas não tive muita brecha depois de ser literalmente puxado para fora dali... e o pior, voando como se estivéssemos no Mundo Humano; aquela técnica que a essa altura eu já achava tão característica de Harley.

— O meu nome é Tensai, senhor. — corrigi de forma tímida antes de ficar em silêncio e ouvi-lo desabafar sobre a situação da sua família. Os Kuchiki eram influentes, então para mim soava natural se preocupar em passar o nome adiante. Minha família também focava em tradições dessa maneira, mas acabavam se focando tanto no presente que raramente nos cobravam um futuro com herdeiros. Eu nunca tinha passado para pensar como eu não sentia pressão nenhuma para ter filhos (e eu nem queria ou poderia tê-los, de qualquer maneira) — Você ainda é jovem, Capitão, ainda terá muito tempo para casar e treinar um herdeiro. Acho que podemos nos dar o luxo de focar em nós mesmos pelas primeiras centenas de anos.

— Talvez seja nossa aparência. Eu também não costumo ter muitos pretendentes. — comentei com uma mão apoiada no queixo em uma pose de reflexão enquanto pensava sobre a observação do Capitão. É engraçado pensar que ele tem sete vezes a minha idade e no entanto ainda parecemos ser amigos de infância; a forma que algumas almas se portavam realmente era diferente da maioria. Era o nosso caso.

De repente, percebi que Harley ficou com o olhar distante como se estivesse vendo ou ouvindo algo que eu não podia. Me aproximei em passos lentos tentando decifrar se ele precisava de ajuda, mas então compreendi se tratar de uma mensagem enviada por ninguém menos que a capitã-comandante; algo muito importante parecia estar acontecido. Eu não apresentei resistência quando comecei a ser puxado pelo pulso, mas cheguei a engasgar por um momento ao ouvir que visitaríamos o inferno.

— Inferno, senhor? O que aconteceu? — questionei em plena preocupação. Aquilo era muito repentino, de fato, e eu não sabia o que esperar quando fomos nos aproximando do Esquadrão de Pesquisa. Tão logo pousamos no chão, eu pedi um segundo para que pudesse me preparar. Enviando uma mensagem por uma borboleta infernal, eu esperava que minha irmã Nobara pudesse se antecipar ao que estava por vir. "Alcance ela, por favor", pedi.

No momento seguinte, apenas segui os passos do meu Capitão.