Ser filho de nobres com dinheiro o suficiente para comprar todo tipo de professor particular tinha seus privilégios. Não à toa eu cresci sempre rodeado de livros diversos; conhecimento era algo que nunca me foi negado. Claro, funcionava assim desde que eu não entrasse em certos assuntos "proibidos", como as origens da nossa família. Ainda assim, aprendi muita coisa com eles. Eles possuíam um interesse particular de que aprendêssemos genética, matemática e até mesmo história. O primeiro e o último até então só serviram para eu me gabar, mas os conhecimentos sobre medidas e cálculos mostraram seu valor ainda na Academia de Ceifadores. Eu não tinha a melhor pontaria da turma, mas minha noção espacial era a melhor entre os outros adolescentes.

Naquela época, meus hobbies envolviam ler livros de assuntos diversos e então treinar para as atividades da Academia. Meu interesse sobre matemática estava aflorado naquela ocasião, então era sobre isso o que eu mais estudava. Com um livro de aspecto surrado à minha frente e debruçado sobre a cama, corri os olhos sobre as palavras ali dispostas. O assunto daquele capítulo eram agrupamentos.

"Sendo conjunto o agrupamento de coisas semelhantes, é possível dizer que um conjunto numérico é então um agrupamento de números que apresentam características semelhantes. Os conjuntos de números são formados utilizando o conceito de contido, isto é, o conteúdo de um estar no outro, enquanto um outro grupo pode ter apenas alguns elementos seguindo essa regra. Desta forma, os números naturais (N) estão contidos nos números inteiros (Z), que estão contidos nos números racionais (Q), que estão contidos nos números irracionais (I), que por fim estão contidos nos números reais (R)."

Apesar de ser um assunto dito pelos meus pais como básico, os termos utilizados não pareciam assim tão iniciantes para mim. O que eu tinha aprendido até aquele ponto envolvia muito mais geometria de batalha, e não conceitos tão rígidos quanto aquele. Segundo a professora, aquele era um assunto que dificilmente poderia se aplicar no dia a dia de um ceifador. Sorri lembrando de tal comentário; ela ainda me subestimava na época. Eu pessoalmente não diferencio conhecimento: quanto mais eu souber sobre mundo, mais preparado eu me torno para qualquer adversidade que pudesse surgir na minha frente

Continuando a leitura, o livro explicava que o conjunto dos números naturais eram todos os números inteiros e positivos, incluindo o zero, como o um, dois ou o três. O conjunto inteiro por sua vez abriga todos os números inteiros, positivos e negativos, e também o zero. Ou seja, todos os números naturais estão incluídos nesse conjunto, embora parte deste não pertença ao conjunto natural. O exemplo? Todos os números naturais, porém estes também em sua "versão" negativa, como menos um e menos dois. O conjunto racional envolvia os conjuntos anteriores, além de frações, como um sobre dois ou dez sobre três.

Àquela altura já tinha entendido: todos os conjuntos, exceto os dos números naturais que era o primeiro, tinham o conjunto anterior contido em si. Com isso mente, supus que o último conjunto, os irracionais, iriam conter o conjunto racional, e portanto o conjunto inteiro e o natural. E eu estava certo! A novidade eram os chamados números decimais, que eram números com vírgulas. Este tinha um detalhe: o que existia após a vírgula não podia repetir um padrão. Se o fizesse, seria considerado um dizima periódica, e estaria incluído no conjunto racional.

— Que dor de cabeça. — reclamei fechando o livro e virando a cabeça para apoiá-la no travesseiro. Repensei por um segundo se deveria mesmo aprender sobre tudo. Peguei no sono poucos minutos depois de gargalhar com tal pensamento. Nunca falaram que a jornada do conhecimento seria simples.

No dia seguinte, o treinamento mudou. Enquanto Ceifadores, uma coisa da qual não podemos fugir é o estudo sobre o reiatsu. Você até pode tentar (ou ser completamente deficiente nesse ponto, como uma vez ouvir falarem ser possível), mas estará apenas negligenciando suas próprias habilidades e uma hora isso vai se voltar contra você. Não faz parte do meu estilo de vida correr desse tipo de coisa, então quando minha mãe me apresentou a nova professora que iria ministrar um treinamento em dupla, eu aceitei imediatamente.

Ela me guiou até um lago por entre as cadeias de montanha que compunham o terreno do Rukongai Oeste. O tronco de uma árvore estava caído na lateral, e dado o seu estado dava para perceber que estava ali há uns bons anos.

— Então, para explicar isto, como funciona o nosso reiatsu, é meio como tentar descrever para cego ver azul ou surdo ouvir uma música. Tem o conceito, mas a prática e percepção dele é mais importante — começou ela, apontando na direção do meu peito. Eu já não era mais aquela criancinha que precisava de palavras simplificadas e isso ajudava bastante nos métodos desenvolvidos por meus mentores — Perceba, energia espiritual é cultivada diferente de energia física. Meditação, estudo, experiência, introspecção: são as primeiras etapas que a maioria dos Ceifadores utiliza para começar a se conectar com seu reiatsu. Primeiro vamos ver sua capacidade de gerir seus pensamentos em quietude. Fica sentado aqui neste tronco, cruze as pernas e preste atenção na respiração. A menor das sutilezas é por onde se começa o caminho para mudar a natureza com a força de seu espírito.

Nos é ensinado na academia que nossas emoções interferem diretamente na qualidade do nosso fluxo espiritual como quando utilizamos um Kidou, minha especialidade. Sobretudo em combate, onde enfrentamos dores, frustração e até mesmo raiva, não são poucas as situações em que podemos nos agitar demais. Por conta disso, treinos com intuito de meditação se mostravam excepcionais para o aprimoramento do controle e expansão do reiatsu; manter a calma em todas as situações era o ideal e recomendado para um ceifador que deseja fazer parte da elite. Era o meu caso, obviamente.

Eu estava acostumado a ficar longos períodos em silêncio, uma vez que costumo sempre ter um livro por perto e prefiro fazer tal leitura em um ambiente calmo. Não que isso conte como necessariamente meditar, mas serve para me dar alguma base; eu me sentia até mais confortável treinando daquela maneira. Me sentando de pernas cruzadas naquele grande tronco caído, fechei os olhos e respirei fundo. Me manter parado não era um problema, mas manter a mente limpa, sim. Me peguei pensando no que comeríamos durante o almoço e dei uma risada. A professora me deu um tapa no topo da cabeça, o que me pegou de surpresa, mas resolvi não reclamar de imediato.

— Concentre-se. — disse ela firmemente — Tente ouvir os sons do seu próprio corpo e se concentre neles. Volte sua mente para dentro.

E por mais estranho que parecesse aquilo, eu realmente consegui focar ao me concentrar no som que o meu coração fazia a cada batida. Não é o tipo de coisa que podemos perceber em uma situação comum, mas completamente sozinhos naquele lugar o silêncio se tornava quase que absoluto. A reverberação daquele músculo no meu corpo foi a chave para que eu relaxasse. Quando me dei conta, até mesmo o som dos pássaros estava contribuindo para que eu me concentrasse.

Comecei a mover as mãos em um ritmo calmo, como se fossem ondas. Ainda sentado e de olhos fechados, concentrei meu reiatsu nas mãos e comecei a desenhar padrões geométricos no ar. As extremidades do corpo são os lugares mais difíceis de se manter um fluxo contínuo de energia, por isso optei por testar meu nível de meditação fazendo aquilo; o treino estava funcionando.

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