Uauu, faz um tempão que eu não venho aqui! Como está diferente! — A animosidade e surpresa com a qual as palavras saíram da boca do Shinigami eram tanta que seriam capazes de enganar aqueles não habituados a realidade do 53º distrito Norte de Rukongai. Nada, na verdade, havia sido alterado desde que Akutsu abandonara - fora resgatado - daquele maldito lugar. A mesma sujeira, pobreza e taxas de criminalidade de décadas atrás. Ou, se analisasse mais a fundo, perceberia que o lugar onde se encontrara era uma plantação de erva daninhas desde o início de sua existência, e assim continuaria até que um agricultor as eliminasse.  Uma pessoa com os parafusos no lugar se negaria a retornar a um ambiente tão danoso a menos que fosse estritamente necessário, como deveria ser o caso. — Exercitar o corpo aqui como nos velhos tempos! — Ou não. Certamente esse filho de uma puta era incapaz de realizar seus treinamentos na Sereitei. Mais valia a pena arriscar-se a troco de nada. — Você é bem chato, não é? Aqui nem é tão ruim quanto você diz! Eu assumo a história daqui!— Irônico seria se não estivesse passando a direita de um corpo recém-esfaqueado no momento em que as palavras deixaram a boca. Mas tudo bem, faça como quiser. Eu não sou pago para contar a sua história....Cuzão do caralho..

Agora que trocamos de narrador, vou te contar um de meus antigos métodos de treino. Você já tentou apanhar uma galinha com as mãos? Caso nunca tenha desfrutado tal experiência, deixe-me dizer que não se trata de uma tarefa banal. O animal é difícil de capturar. Rápido e imprevisível, inúmeras foram as vezes que eu voltava de mãos vazias. E não é nem como se fossemos comê-la, sabe? Só achava engraçado ouvir os cacarejos desesperados do animal que tanto ansiava a liberdade.  Uma motivação estranha? Talvez. Contudo, de alguma forma aquela atividade permitiu-me sobreviver a tal universo à parte chamado Rukongai. E o melhor: achar galinhas não era nem tão difícil assim! Havia muitas — a maioria (in)felizmente sem donos — pelas ruelas do 53º distrito Norte, se você soubesse procurar. E felizmente eu sabia. Não tardei a encontrar a primeira (e única, espero eu). — Olá, amiguinha... — Não tinha dúvidas de que havia sido visto pelo animal, mas isso não impediu minha aproximação. Flexionei os joelhos e, com as mãos erguidas frente ao corpo, movi-me lentamente em direção a galinha. Cada passo em frente realizado por mim era respondido por um passo para trás do animal. Acredito que em determinado momento ela entendeu o que estava prestes a acontecer, de modo que cessou os passos e fitou-me de modo apavorante. Eu juro! Juro que aquele animal emanava uma aura assassina ou algo do tipo.  Todavia, o animal não parecia disposto a entrar em um confronto direto, uma vez que virou o corpo e tornou a correr na direção contrária. Balançava as asas como se tentando alçar voo ou ganhar velocidade a medida que movia-se. — Ei...Deixa disso! Eu vou te pegar mesmo assim!       — Obrigado a perseguir o animal, saí disparado em seu encalço.


Sabe, o quanto antes eu colocar minhas mãos em você vai ser melhor. Sim, para nós dois! — A fala era mansa, mas eu já devia estar de saco cheio de perseguir aquele maldito animal. Faziam trinta minutos desde que iniciara a atividade e meu resultado não foi muito além de arrancar algumas penas e receber bicadas gratuitas. Eu era mais rápido que a galinha, essa discussão estava fora de cogitação. Mas faltava algo. Não bastava ser rápido se me faltava a agilidade de mudar de direção de maneira tão célere e agressiva quanto a que era demonstrada pela ave. Absurdo como um simples jogo de corpo do bicho me tirava completamente da jogada. Entre as curvas bruscas realizadas pela galinha com o intuito de alcançar a viela seguinte eu sempre batia nas paredes. Bom... Isso quando não me chocava com algo pior. BOOOOM. Tchiplomm Woom woom wom — Agora estou batendo em latas de lixo? Ha..Haha..Hahahaha.. — Hoje mais tarde eu definitivamente vou jantar galinha caipira. E céus, que cheiro é esse? Alguém tacou um cadáver dentro dessa lixeira? Era possível, mas eu tinha coisas mais importantes para fazer.

Desisto. Eu cansei de insistir na mesma táctica burra. Se dependesse do pássaro, eu nunca iria pegá-lo. A galinha já tinha percebido também, e juro que a filha da puta às vezes olhava por cima do ombro (?) rindo (???) de meu esforço. Decidi apostar todas as minhas fichas em copiar a maneira como ela se movia. Agachei-me, afastando as pernas, de modo a diminuir a altura do centro de massa. Com isso, fui obrigado a separar as pernas, o que diminuiu moderadamente minha velocidade. Ouso dizer que encontrava-me no meio termo entre uma pessoa correndo lentamente por estar com as coxas assadas e outra andando velozmente por estar com vontade de defecar.  

Tive alguns minutos de adaptação até ser capaz de mover-me naquela posição com maior fluidez mas, assim que o fiz, vi a distância entre mim e a galinha diminuindo cada vez mais. Na última curva que ela veio a fazer fui capaz de segurá-la, sendo mais ágil na troca de direção que o animal. Para tal foi crucial ter abaixado meu corpo anteriormente, já que isso aumentou meu contato com o solo e permitiu que eu, felizmente, não batesse em paredes ou latas de lixo. — Finalmente, hein? E agora, o que eu faço com você? Entre mordidas e arranhões, coloquei o animal embaixo do braço esquerdo e saí andando, como se levasse comigo um troféu de primeiro lugar.


Olha, tio! Aquele homem conseguiu pegar a Marylou! — Uma criança me abordou alguns minutos depois. Carregava uma espada de madeira na mão e tinha um sorriso no rosto. Alguns metros atrás dela encontrava-se um homem - provavelmente o tio do garoto - que me olhava com curiosidade, apesar do rosto inexpressivo. Marylou, hein? Bem que eu achei que essa galinha bem tinha cara de babaca, mesmo. — Ela fugiu faz alguns dias, obrigado por devolver e.. Ai! O que foi isso?! — Dei um tapa na mão do garoto assim que ele esticou os braços para tirar o animal de meu domínio. — Doeu? Minhas desculpas! Só que para eu te devolver seu precioso animal eu preciso obter algo em troca, sabe? Para que meu esforço não tenha sido em vão! — Balancei a crista da galinha enquanto falava, mas a essa altura ela já estava com um olhar tão duro quanto o do homem mais afastado. Não sei se ela detinha mais desprezo por mim ou pelos antigos donos. — Já sei! Me ataca com essa arma que você tá segurando. Se você conseguir acertar um golpe em mim eu te devolvo ela!


Sinceramente, sequer vale a pena me estender no ' combate ' travado entre mim e o garoto. Na primeira investida dele eu movi sua espada para o alto e soquei seu nariz com a mão cerrada que segurava a Zanpakutō. — VOSE DIZE QUE NAO IA ME MACHUCÁ! — Se você PEDISSE para eu não te machucar. Você pediu? Não!! Então segue o jogo.   — Então é assim? Por que você não luta com alguém do seu tamanho? — O mais velho aproximou-se de mim, semblante tão pesado quanto outrora. Sinto que ele não gostou muito do fato de eu ter entortado o nariz do sobrinho dele. Mas só parecia ser um ferimento sério. Essas crianças de hoje são muito moles.


Só espero que você seja um pouquinho mais forte que o seu sobrinh- — WAawyag fawyeagh awrwg gawg. vvVVV! O golpe desferido na lateral de sua cabeça fora forte a ponto de retardar seus sentidos. Akutsu, que antes desprezara o narrador observador em prol do narrador personagem, encontrava-se novamente dependente de seus serviços. Quem diria, hein? Tudo aconteceu muito rápido. O shinigami babaca fora arremessado para trás com o golpe e a galinha que jazia em seus braços prontamente escapou. — Nããão! — A criança perseguiu a ave doméstica, enquanto seu familiar encontrava-se parado frente a Akutsu, caído. — Você...Tem uma mão bem pesada. Parabéns...pela força! — Uma falsa cortesia. O shinigami estava furioso com o golpe, vide o fato como as mãos tremiam de ódio. Pelo menos agora dispunha de ambas as mãos na hora de empunhar a espada. Nem pense em ir atrás do seu sobrinho, tá? A gente ainda não terminou! — As condições iniciais previam que a galinha devesse ser liberada assim que Akutsu recebesse um golpe. O que aconteceu, de fato. Mas nada fora dito acerca do que viria a seguir. — Você fala demais...Alguém precisa te ensinar a ficar quieto — disse o velho. A essa altura, já tinha em mãos a espada de madeira que o sobrinho anteriormente levava.

Avançou em direção ao homem, desferindo golpes laterais com a Zanpakutō. O homem defendeu todos os golpes com maestria, sequer demonstrando qualquer dificuldade. Irritou a Akutsu a ideia de ser subjugado por uma simples espada de madeira, mas apesar disto não cessou as ofensivas. Já estavam naquela a minutos. Seus golpes eram completamente bloqueados e, vez ou outra, recebia uma estocada com o cabo da espada de madeira como em provocação. Era como se o caçador estivesse brincando com sua presa. — Podemos ficar aqui o dia todo. Minha técnica está anos-luz na frente da sua. — Sem emoção na voz, acertara outro golpe na barriga do shinigami.

Técnica, então? Obrigado pela dica! — Não é dos mais espertos, então aprecia quando lhe dão a resposta - por mais estúpida que possa ser - frente a seus desafios. Principalmente quando esta se dá pela pessoa a qual enfrenta. Segurou o cabo da espada com mais força, impedindo-a de deslizar pelas mãos enquanto atacava e defendia. À medida que o tempo passava a quantidade de golpes sofridos diminuiu exponencialmente, ao ponto de eventualmente beirarem ao nulo. Akutsu definitivamente não era mais habilidoso quanto o homem a sua frente, mas era mais rápido e jovem, de modo que o combate estava parelho. Já era capaz de reagir aos golpes e até contra-atacar, e a partir de um contragolpe fora capaz de fazer o homem sangrar pela primeira vez. Um corte raso no pulso do homem. O inimigo retrocedera alguns passos para analisar o machucado. — Você melhorou. Um pouco, mas melhorou. Devemos parar. Já até escureceu. — Akutsu olhou ao redor e, de fato, já era noite. Levando em conta que começara a lutar quando o Sol ainda brilhava no céu, já haviam se passado ao menos quatro horas. — Eu falo quando a gente...termina? — quando olhou para frente o homem já não estava mais lá. Nenhum sinal dele, ou da criança ou até mesmo da maldita galinha.

Considerações: