Não é possível ouvir nada. Um único ruído sequer.

Desde que cheguei aqui, a voz em minha cabeça tem ficado mais alta. É incrível como a desconexão com o ambiente externo pode fazer com um homem. O cheiro aqui é podre, mas não é como se, em todo esse tempo, eu não houvesse me acostumado. Quanto tempo se passou? Um ano? Dez meses? Deixei as contas de lado no quarto mês. Talvez, esse seja o momento em que mais me aproximei de ser um humano. A reiatsu reprimida, sentado nessa cadeira com as mãos atadas e os olhos vendados. Mais quanto tempo demorará até que eu chegue a insanidade? Ainda me sinto tranquilo. O que me incomoda é essa sensação.

Sim, é ansiedade.

O único contato que tenho é quando trazem a refeição e sou levado para fazer as necessidades básicas. Ainda assim, consigo sentir o fio de uma lâmina próxima ao meu pescoço. A luz? Faz tempo que não a vejo. Desde aquele dia, tem sido apenas escuridão.


— Você será levado para a prisão e lá será curado. — Aquela mulher da primeira Divisão carregava uma prancheta consigo. Não era como se ela me observasse diretamente. Os outros cinco  segurando meu corpo faziam parte da Omnitsukidou, estavam prontos para me levar. Meus ossos ainda estavam quebrados, mas eu podia caminhar. Vendaram meus olhos naquele momento e caminhamos por longos momentos. Eu podia ouvir o som das pessoas na Sereitei. Os homens que me acompanhavam, no entanto, não disseram uma única palavra até chegarmos ao destino.

— Prisioneiro de Alta Periculosidade. Abram o portão. — Sua voz era monótona e autoritária.

Foram quantos degraus? Eles não se importavam com o fato de eu estar com dificuldades para descê-los. Mantiveram o mesmo passo até o barulho de um portão de metal. Jogaram-me sobre uma cadeira e eu pude ouvir os passos ao redor. Sussurros. A Quarta Divisão havia chegado. Um calor percorreu meu membro. Era apenas uma única médica, afinal? Como eu sabia que era médica? Seu perfume de jasmim. Por um momento, seu cabelo comprido tocou meu ombro direito e seus passos eram leves, o que indicava alguém de baixa estatura e sem grande peso. Juntando esses fatos, deveria ser uma mulher.

Os membros fraturados foram imobilizados. Pelo jeito, não tinha o privilégio de ser tratado dentro das imediações da Quarta Divisão, então, aquilo era o que poderia ser feito. — Obrigado. — Eu murmurei, mas não obtive respostas. Já era possível sentir meus membros, os ossos ainda estavam frágeis, mas haviam sido movidos para seus devidos lugares. A dor já não era tão incômoda, contanto que eu ficasse parado, tudo ficaria bem. Foi o que pensei.

— Aikyo Kazuki. — Uma voz pesada e abafada falou.

— Você ficará preso até o dia de seu julgamento. Receberá alimentação e os cuidados necessários. As ordens médicas dizem para não fazer movimentos bruscos ou seus ossos se quebrarão novamente. Aconselho que siga essas sugestões. —

O homem discursou. Logo em seguida, o som do metal batendo e o portão se fechando.

Considerações:

Técnicas:

Os primeiros dias são tranquilos.

Tudo que tinha de ser feito era silenciar a mente. Não pensar demais, antes que enlouquecesse. De fato, uma tarefa tão árdua que em toda dupla de centenas de anos que vivi, não havia aprendido. Afastava as ideias sobre o que acontecia lá fora, sobre o que havia acontecido e sobre o que poderia acontecer. Era necessário atenção. Ainda que o tempo passasse mais devagar, sentir o ar pútrido adentrar minhas narinas e fazê-las queimar por um instante. Até mesmo o som da respiração soava abafado naquele lugar fechado e por onde nenhum ar se esvaia ou tornava a mover-se. Uma brisa sequer; um único movimento de ar era como um deleite. Reconheci que a loucura viria no momento em que a tranquilidade deixasse meu corpo e eu não fosse mais capaz de conter aquela ansiedade.

Mas, pensar sobre aquilo não adiantaria.

Na verdade, isso adiantaria o enlouquecimento. Aceitação. Sim, mais uma vez, era o que poderia ser feito. No fim, eles estão te vendo e rindo de você. Estão lhe assistindo, cada passo seu que lhe levou a esse lugar deplorável; à esse fim fatídico. A tolice estava naquele mesmo instante que, por rebeldia, deixaste sua casa para um mundo que não conheceste e, por qual motivo? Pura tolice. Achastes ser tão inteligente e diferente e, agora, está diante do mundo a observar sua extrema insignificância num cúbiculo; amarrado e sem uma das mãos. Incapaz de fazer nada, reparar erros e sequer pedir perdão para aqueles que amava.

Sim.

A culpa fora sua.


Os olhos marejados daquela mulher já diziam todas as palavras que uma frase não conseguiria englobar. O mundo humano por debaixo de seus pés e o céu negro, cheio de nuvens, era o cenário de despedida. Os olhos felizes de um garoto que, agora, trazia à vida um sonho de liberdade. — Obrigado, mãe. — Ele a abraçou, firme. Aquela seria a última vez que a tocaria.


— Aikyo Hana, Oficial da 3ª Divisão. Primeira Esposa de Aikyo Satoru e mãe de Aikyo Kazuki. —

As palavras severas vindas de um ceifador. A Central reunida ao redor daquela mulher, cujos olhos destemidos observava as placas que encobriam suas faces. Logo atrás da mesma, o Capitão da 10ª Divisão, Aikyo Satoru, em silêncio. — Você foi condenada a morte por ajudar na traição de um Oficial da Gotei 13. — Um dos juízes sentenciou. — Sua execução acontecerá em 3 dias. — Os olhos de Hana sequer titubearam ou tremularam. Numa imponência perceptível, ela assentiu. Um oficial segurou seus braços, travando algemas em suas mãos e, enquanto ela era encaminhada, passou ao lado de seu esposo. Os olhos desolados do Capitão. As palavras que poderiam ser ditas haviam sumido, assim como o sorriso que um dia havia mostrado. — Eu te amo. — Ela pronunciou mas sem som algum e um sorriso confiante percorreu seu rosto, como se dissesse que faria tudo novamente. Uma lágrima escorreu pelo rosto de Aikyo Satoru, seu peito se estufou e pensou em falar algo, gritar, lutar, mas, não havia o que fazer. Ele cerrou os punhos. Sentia raiva. Um fervor que não poderia descrever, mas, naquele momento, ele entendeu o que o sorriso de Hana significava.

— Se possuem alguma estima por minha posição e pessoa, tenho um pedido a fazer. — Ele caminhou até o centro do palco de julgamento. — Capitão Satoru, essa sentença é irrevo- — Algum juiz dizia, quando fora interrompido pelo próprio Satoru. — Peço que não expedam a ordem de caça a Aikyo Kazuki. — Seus olhos eram sérios e diretos. Suas palavras eram pesadas e pouco emocionadas. Murmúrios percorreram todo o salão até que, alguém, finalmente falou. — Isso é impossível, Capitão. Ele é um traidor. — A voz soava sarcástica e até mesmo desacreditada com o pedido que havia vido anteriormente. Os olhos de Satoru permaneciam imóveis e sua postura a mesma. — Creio que terão problemas piores para resolver, nesse caso. — Ele falou, estava calmo e não mostrava qualquer hostilidade, porém, sua frase soara ameaçadora. Uma gargalhada abafada fora ouvida. — Isso é uma ameaça, Capitão? — Uma voz prepotente e orgulhosa se pronunciou. Aikyo Satoru ergueu seus olhos em direção ao tablado, onde o nome Central 46 estava escrito. — Ocupo esse cargo a centenas de anos.  — Ele dizia. — Creio que entendem bem o tipo de influência que posso exercer. — Essas foram suas palavras e um silêncio perdurou.

— Tudo bem, Capitão Satoru. —

Considerações:

Técnicas: