Paris era uma belíssima cidade. A luz do dia podia cegar aos despreparados que abrissem suas janelas sem cautela. A verdade era que a Cidade da Luz jazia iluminada apenas pela Estrela Solar, pois há muito não esbanjava para o mundo sua arte e sua beleza cultural, se limitando à coisas mais mesquinhas e, verdadeiramente, não tão impressionantes, como a moda. Magnus sentia falta de apreciar as pinturas renascentistas – ou mesmo as medievais – que permitiam que aqueles que as vissem tomassem para si profundo pensamento, ou seja, que causassem reflexão e aculturasse o povo num caminho de racionalidade.

Todavia, Magnus passara a entender que a Humanidade havia se encontrado numa posição deveras confortável e não pretendia, pelo menos não com a própria cultura, buscar mais desenvolvimento. Buscavam agora desbravar os cosmos e os segredos universais.

Engraçado.

Não faziam ideia do que as espionavam durante a noite, mas acreditavam-se grandiosos o suficiente para conquistar coisas para além de suas fronteiras planetárias. Por que buscavam a Lua? Por que buscavam Marte? Pouco sabiam sobre os próprios oceanos. Nada sabiam sobre as trevas que deles se alimentavam. Nada sabiam.

Nada.

Enquanto Magnus abria as cortinas de seu quarto, sentiu uma reiatsu surgir a partir de uma garganta em seu quintal.


Permitiu-se continuar a ajeitar seu quarto e, dez minutos depois, desceu. Seus passos o levaram pelas escadas, descendo do segundo piso para o primeiro e do primeiro à porta de entrada, a qual abriu. Diante de si estava um de seus fraccións, um arrancar adjucha chamado Pioreu, que prostrava à figura do Vasto Lorde.

— Meu senhor, Magnus-sama, tenho notícias sobre o Trono do Hueco Mundo. — Manteve a cabeça baixa, esperando autorização para levantar-se.

— Hm, é mesmo? — Questionou para si próprio. O que poderia ser? Isso atiçara a curiosidade do Vasto Lorde. — Levante-se e entre comigo, Pioreu. — E deu-lhe as costas, entrando e sendo seguido. Pioreu fora um Espada, há muito tempo, de um dos reis que sucederam a Magnus e fora salvo por ele da morte certa no meio de um motim. Após ter sido salvo, o agora Privaron Espada dedicara sua vida ao Antigo Rei e se tornou seu fracción após Magnus retornar ao Hueco Mundo e ser escalado como Segunda Espada.

O Vasto Lorde sentou-se numa poltrona, cruzando suas pernas e fitou o convidado, que se sentou à frente de seu senhor. Seus olhos demonstravam clara gratidão, mesmo após um século.

— Não se acanhe, Pioreu. Diga o que veio dizer. — Expressou-se, permitindo que o outro começasse sua narrativa. Algo estava acontecendo e é suficientemente expressivo para que um de seus servos se desse o trabalho de sair do Hueco Mundo e viesse ter com ele pessoalmente.

— O Rei sumiu, e tão logo desapareceu o Quinta e o Sétima Espada iniciaram um duelo na Sala do Trono, pelo direito de assumi-lo. — Magnus o olhou, esperando que continuasse o raciocínio. — Deseja que haja interferência, Magnus-sama? — Questionou.

O Velho suspirou, repousando sua cabeça numa das mãos.

— Você bem sabe que não tenho interesse pelo Trono. Não há necessidade de interferir. Claro que me causa surpresa termos o Quinta e o Sétima em vias de assumir, mas que vença o mais preparado para os dias que virão. — Finalizou o assunto. E iniciou outro: — Todavia, isso com certeza trará problemas quando o Rei retornar. Ele não deve ter sido eliminado, certo? Saberíamos se ele tivesse tombado em batalha. Se estiver vivo, em algum momento seremos chamados ao resgate. E se um novo Rei subir, a quem atenderemos? — Sorriu. — Há uma crise a vista e que nunca aconteceu antes. Historicamente, todos os Reis tombaram em combate.

— Exceto o senhor, o Primeiro Rei em que se tem memória. — Interveio o Privarón. — As histórias não mentem, ninguém daquela época ainda está vivo, mas o senhor permanece. Ninguém, mesmo hoje, entende o motivo da sua renúncia. Alguns dizem que fora covardia... — Maneou a cabeça, negando a possibilidade. — Mas a maioria entende que foi desinteresse. Somente me pergunto... Se um novo interesse surgiu ou se o senhor ainda está em busca de um.

— Meu interesse é em ser expectador deste mundo. — Sorriu, achando graça. — O Quarta Espada odiaria ouvir isto, mas... Diferente dele, cujo desejo em desbravar o destino está em seu ápice, para mim se tornou deveras cansativo. Eu verdadeiramente o respeito, ele age conforme sua consciência, conforme suas ambições. No fim, talvez eu esteja errado e esteja apenas numa bolha, me afastando dos eventos que mudam o mundo.

— O senhor decide seu caminho, Magnus-sama. — Suspirou. — De qualquer forma, se o senhor não deseja intervir, não serei eu a buscar convencê-lo. Somente me estranha esse repentino desaparecimento de nosso Rei, que sumiu sem deixar rastros, sem batalhas aparentes. Evidentemente é... Suspeito. Tenho sua autorização para buscar respostas? Mas se me permite... Nunca conversamos a respeito, mas... Como era? Quando você despertou, quero dizer.

— Sim, é suspeito. — Refletiu Magnus. — Não faço ideia, também, do que houve e com absoluta certeza é uma circunstância suspeita. Tem minha autorização para averiguar. Faça o que achar melhor, usando os meios que achar mais adequados. Se precisar de algo... Estarei aqui. — Magnus desviou os olhos para os dele, buscando naquele rosto as lembranças de tempos antigos. — É uma dúvida interessante, essa que você tem. — Magnus observa a janela, a luz solar irradiando dali e enchendo o grande salão de claridade. — Se você acha o deserto hoje vazio, muito decorre de mim. Estimulei que os hollows se alimentassem uns dos outros, o que diminuiu a quantidade, mas aumentou o poder do Hueco Mundo. À época, o equilíbrio se fragilizou, pois almas deixaram de ir para a Soul Society. — Sua mente estava lentamente sendo tragada para as memórias. — Antes disso, havia apenas caos. Caos absoluto. Se acha que hoje há desordem, antes era... Infinitamente pior. Não acredito que eu, de fato, tenha sido o primeiro dos reis dos hollows, mas não conheço alguém que tenha me antecedido, ou histórias a esse respeito. Apenas boatos de um nome. Mas acredite, com certeza houve. O Hueco Mundo é muito mais antigo do que podemos imaginar, talvez anteceda mesmo à humanidade.

— Ninguém se lembra de alguém anterior, de qualquer forma. — Disse, demonstrando sua curiosidade. — Como... — E sentiu uma densa pressão espiritual ao redor da casa, que logo desapareceu, ocultando-se. — O senhor sentiu?

— Claro, claro. Vamos continuar nossa conversa. Logo darei um jeito no invasor. — Manteve o sorriso impassível. — Como o que? — Questionou, estimulando que continuasse a falar.

— Como era o mundo antes de você reinar? Como foi o trajeto para tomar essa ambição para si? — Questionou, demonstrando sua clara curiosidade.

— Bem, minha ambição não iniciou com meu despertar para a consciência. Na verdade, demorou um pouco para eu notar que poderia contribuir com minha raça. No fim, começou com... — Iniciou dizendo, e foi tragado para suas memórias.

A noite continuava imperando no Hueco Mundo, como sempre fora, desde que se lembrara. Magnus caminhava pelo deserto sozinho, distante de tudo que poderia ser considerado por “vivo” ou “minimamente organizado”. O vazio naquele espaço o estava perturbando, já que estava em busca de hollows para alimentar-se.

Seus passos o levaram para uma grande cratera, onde alguns corpos repousavam em decomposição. Eram hollows que aparentemente haviam batalhado entre si e, aquele, era o resultado da batalha.

O Vasto Lorde aproximou-se da beirada, olhando o que havia no interior. Deu as costas, ao acreditar haver apenas cadáveres. Iria seguir seu caminho. Todavia, uma fraca voz o chamou e, olhando pelos ombros, buscou identificar qual dos mortos falava.

Havia uma pequena criatura, aparentando ser uma criança. Era um arrancar jovem. Curioso por ver alguém da sua espécie, Magnus aproximou-se, descendo a cratera derrapando. Ajoelhou-se ao lado do pequeno ser.

— O que houve aqui? — Questionou. A criança jorrou sangue de sua boca.

— Uma criatura... Que não era hollow, nem nada que eu já tenha visto... — Iniciou a menina, engasgando-se com o próprio sangue, que vertia sem parar de seus olhos, boca, nariz e ouvidos. — Invadiu o Hueco Mundo por um por portal de palha, ou algo parecido. — Ela tossiu forte, a vida se esvaindo. — Se não for parada... Estaremos todos em perigo. — E assim como disse a última palavra, a morte chegou e ela pereceu.

Magnus, à essa época, vestia um manto branco justo a seu corpo, com aparência plástica, mostrando seus músculos definidos pelo tempo. Seus cabelos negros caíam em suas costas, longos, e seus olhos vermelhos, que hoje demonstravam puro terror, àquele momento somente havia curiosidade. À sinistra repousava sua zampakutou, embainhada, selando seu incomensurável poder.

Magnus suspirou pesadamente, descartando o corpo. Seus passos novamente o levaram para o topo da cratera, onde pôde ver por uma última vez os corpos. Sentindo um pequeno senso de responsabilidade, farejou o ar, buscando sentir a reiryoku deixada para trás. Ao que havia entendido, fora um caso recente.

Não pôde identificar nada, mas como nada achou no trajeto até ali, supôs que se continuasse à frente encontraria algo que o identificasse quem – ou o que – era a criatura a qual havia ouvido da, agora morta, arrancar.

Existem os poderosos pelo acaso.
Existem os poderosos pela sabedoria.
Existem os poderosos pelo poder que conquistaram.
E existem os poderosos que nasceram poderosos e para a conquista.

Magnus não era poderoso àquele tempo. Era como qualquer arrancar de nível Vasto Lorde, não havendo em si nada de especial. Apenas mais um entre os muitos de sua espécie, somente mais um condicionado à vida despropositada.

Afinal, qual o fim dos Hollows? Sua existência efetivamente possuía sentido? O poder de seus cernes possuía algum propósito para além da destruição?

Magnus, com o passar dos anos, tomou para si compreensão de que aos Arrancars não havia condicionamento. Entre as raças – pelo menos as que conhecia, já que desde que removeu sua máscara não voltara ao mundo dos humanos – era a única que gozava da possibilidade de se desprender dos instintos bestiais a qual ficavam os demais condicionados, saltar aos céus e aproveitar a independência incondicionalmente.

O Vasto Lorde acreditava que o poder verdadeiro residia no conhecimento, na consciência e na capacidade de construir raciocínios. Os que dominavam essa arte – para além da camada mais superficial – sem dúvidas eram os que se tornariam, eventualmente, poderosos.

Magnus no futuro viria a saber que ele não nasceu poderoso e para a conquista.

E que teria que conquistar sua posição pela sua própria Vontade de Ferro.

Passos e mais passos. Apenas o vazio adiante.

A mente de Magnus, sem nenhum foco além de buscar achar o invasor que, segundo a menina arrancar, seria o fim dos hollows, puxava de sua mente alguma informação útil. Mas em nada pensava. O que poderia ter invadido a terra da noite e ser capaz de colocar a todos em perigo? Magnus gargalhou mentalmente, vibrando em curiosidade pelo desafio.

À frente, cerca de um quilômetro, uma forte explosão pôde ser vista. Uma larga coluna verde ascendeu aos céus, cortando as nuvens e abalando as estruturas – pelo menos as próximas – do Hueco Mundo.

Uma reiatsu tão poderosa quanto jamais sentiu pressionou seus ombros até que se dobrasse de joelhos. Terror pôde ser visto em seus olhos, pela primeira vez em muito tempo. O que era essa poderosa criatura? Criatura essa capaz de despejar tanto poder de uma só vez. Magnus estava dividido entre a curiosidade e o medo, medo esse que se espalhava por todas as moléculas de seu corpo, forçando-o a se manter ajoelhado.

Todavia, o medo deu lugar à raiva, e a raiva deu lugar ao ódio e o ódio deu lugar ao poder, poder que permitiu ao Vasto Lorde se pôr de pé e rumar até onde a energia concentrava-se.

De repente, a energia concentrou-se toda num único ponto e ocultou-se dos sentidos de Magnus, que pôs-se a correr naquela direção e, ao chegar, tudo que viu foram centenas de dezenas de hollows mortos, alguns carbonizados e outros desmembrados. A maioria arrancar.

Ao que podia perceber, essa criatura estava em busca de seus pares, hollows que haviam conseguido atingir a consciência e a racionalidade. A dúvida pairou sobre Magnus, que tudo que podia sentir era o cheio mórbido de cadáveres putrefazendo-se e o cheio de carne carbonizada.

O que havia acontecido ali?



— No fim, até hoje não sei o que aconteceu àquela época. Mas com certeza era um hollow modificado, capaz de controlar chamas ou algo assim. A reiatsu dele, hoje eu entendo, não era de shinigami ou dos desaparecidos quincy. Era hollow, com certeza. Mas um hollow diferente de tudo que eu já tinha visto até então. — Disse o Primeiro Rei ao Privarón, que maneou com a cabeça, compreendendo. — Pode ir, Prioreu. Irei cuidar do curioso. — Sorriu.

— Como me comandas, Magnus-sama, meu senhor. — Prostrou-se e, segundos depois, foi tragado por uma garganta por ele invocada. Magnus suspirou pesadamente, ainda em sua poltrona. Novamente estavam violando sua paz e privacidade. Quando iriam aprender a ter amor à própria existência?

— Você é um tolo. — Disse Magnus, ainda sentado tranquilamente em sua poltrona. — Não importa o quão poderoso você se ache... Se eu não sei quem você é, você é, com absoluta certeza, insignificante. — Sua expressão era de absoluto tédio. — Sua vinda aqui mais me incomoda do que me ameaça. — Suspirou, revirando os olhos, diante do silêncio. — Alguns, como você, aparentam buscar a morte.

— Você é, sem dúvidas, o ser mais arrogante que eu já tive o desprazer de conhecer. — Disse a voz, surgindo atrás de Magnus. Não o atacou de surpresa, visto que sentiu que seria um movimento inútil. Ao invés disso, dirigiu-se à frente do Vasto Lorde, com as mãos às costas, segurando-se. Trajava uma veste alva, com tracejados negros em sua extensão. Em seu rosto, um fragmento de máscara e um sorriso psicótico.

Um vaizard, ao que aparentava, já que esbanjava reiatsu corrompida, uma verdadeira aberração. Nem hollow, nem shinigami. Uma mistura perversa dos dois, uma criação não da natureza, mas de manipulações genéticas – muitas vezes desautorizadas. Quem o criara? Era uma dúvida, talvez não tão facilmente respondida. Duvidava Magnus que ele o responderia, de qualquer forma, mesmo que o torturasse.

— Não sou arrogante. Você que o é, ao pensar ser poderoso o suficiente para me derrotar. — Magnus sorriu em desprezo.

— Você... — Começou, e foi interrompido.

— Sinceramente, economize meu tempo. — Disse Magnus. — Você me ofende ao vir sozinho, espero que tenha mais gente às costas. Você não vai me querer ofendido, afinal. — E o alertou, ao fim. — E cuidado para não destruir minha casa. Se o fizer, eu irei atrás de todas as pessoas por quem você tem apreço e as destruirei tão rápido e dolorosamente que elas, mesmo após morrerem, não esquecerão do meu rosto.

E sentiu-se ser perfurado no abdômen. Uma zampakutou emergiu de seu corpo e sangue saiu de seus lábios, sentiu a língua enrolar-se e tossiu, despejando sangue em grande quantidade para fora de seu corpo. A zampakutou foi removida e o que o atacara usou um shunpo, aparecendo à sua frente.

— Não estava sozinho, afinal. Somos em dois. — Disse o vaizard que o interpelara primeiro. Magnus sorriu, seus dentes cheios de sangue, manchando o branco que antes ali estava.

— Eu às vezes me pergunto... — Magnus tossiu sangue. — O porquê exatamente vocês querem minha cabeça. Ela é tão bonita assim? — Sorriu com sarcasmo, mas logo seus olhos se tornaram vermelhos brilhantes. — Mesmo se mil de vocês me perfurassem com mil zampakutous... Isso nunca me mataria. — E abriu um largo sorriso psicótico. — Venham! Irei liquidar ambos os dois! — E levantou-se da poltrona, firmando-se em pé. Bateu as mãos uma na outra e voou sobre eles, agarrando cada um com uma mão pelo pescoço, e os levando consigo, estourando uma parede, a fim de chegar ao exterior da casa.

Magnus soltou ambos, permitindo que derrapassem pelas gramas esverdeadas e saudáveis do terreno.

— Acho que vocês poderão me divertir um pouco. — Disse o Vasto Lorde, colocando as mãos para trás, mantendo-se ereto. Seus olhos brilhavam em desafio e sua reiatsu já se desprendia de seu corpo em ondas, que faziam com que o vento turbilhonasse ao redor do ambiente, forçando o movimento dos galhos.

Os dois cruzaram as mãos nos rostos, fazendo com que suas máscaras aparecessem na totalidade.

Vaizards. Criaturas criadas pela ciência, tão poderosas quanto hollows e tão poderosas quanto shinigamis.

Não fazia bem Magnus deliberadamente as irritar, pelo menos assim pensaria a maioria. O Vasto Lorde tossiu sangue mais uma vez, o corte outrora aberto lhe custando mobilidade e fazia-o sentir uma desagradável dor. O sorriso manchado de sangue novamente apareceu, quando foi atacado. O primeiro vaizard desembainhou sua zampakutou, enquanto o segundo colocou em riste a sua, já manchada de vermelho, pelo sangue do próprio Magnus.

O primeiro atacou. Magnus fortificou seu corpo com Hierro e utilizou-se de velocidade para desviar o torso. Levantou o joelho com força, atingindo a barriga do adversário que foi empurrado para trás, mas não o suficiente, pois girou sua própria zampakutou para a direita e buscou um corte na horizontal. A lâmina passou a milímetros do rosto de Magnus, que afastou-se alguns metros.

Magnus liberou sua Pesquisa, a fim de buscar compreender os movimentos, que passariam a ser combinados entre os dois adversários. Enquanto o primeiro o atacara pela esquerda, o segundo viera pela direita, cruzando suas lâminas no espaço onde estava o corpo de Magnus, que acabara de saltar para o alto, fugindo do dano e voltando a pousar no chão há alguns metros de distância.

— O que querem comigo? — Questionou Magnus, ainda com as mãos para trás. — Não lembro de já ter, em algum momento, matado algum de vocês. — Magnus colocou os dedos no queixo, fingindo pensar. — Bem, talvez eu tenha. Mas sinceramente não sei o que tenha a ver com vocês dois. Vocês dois são, efetivamente, desconhecidos por mim.

— Eu me chamo Harutora. Ele se chama Zatuno. — Disse o que aparecera primeiro. — De fato nunca nos vimos antes, também não estou aqui por motivos especiais. O fato é que você é um hollow... E está atrapalhando o equilíbrio das almas. — Simplesmente disse.


— Entendo. E você, por acaso, não é um hollow também? — Questionou Magnus, buscando dissuadi-lo em suas reflexões. — Oh... Você se acha melhor que um, não é? Só porque é essencialmente um shinigami. Que lamentável. De fato, você não é tão hollow quanto eu sou. Todavia, ainda assim o é. Você se submeteu a isso, seja consciente ou inconscientemente.  

Magnus o fitava com a sobrancelha arqueada.

— Você não entende, não é? — Continuou o discurso. — Você não é shinigami. Não é hollow em totalidade também. Todavia, está mais próximo dos hollows que dos ceifeiros. Ora, não teve de fugir do Seireitei para ficar em segurança? — Magnus queria impor sua vontade. — Se lá vocês continuassem, lá pereceriam. Mas eu os ofereço a chance de se curvarem e jurarem lealdade a mim. Se o fizerem, eu os prometo que viverão e terão a minha proteção, serão meus fraccións. Todavia, se resistirem... Eu os irei exterminar, como prometi antes. — Magnus suspirou, pensativo. — Claro, vocês devem achar que podem me vencer. Eu proponho um desafio, então.

— Qual desafio? — Perguntaram em uníssono, claramente atingidos pelo discurso. A boa fama de Magnus não os enganava.

— Se eu os derrotar, vocês jurarão lealdade e eu os garantirei a vida. Se vocês me vencerem, poderão me exorcizar e liberar as centenas de milhares de almas que estão aprisionadas em mim. — Magnus sorriu. — Em nenhum dos casos vocês saem perdendo, não acham? — Magnus questionou, agora colocando as mãos nos bolsos. — E lhes dou uma colher de chá! Não usarei todo meu poder. Assim terão alguma chance. — E, por fim, sorriu sinceramente. Ter servos daquele nível de poder seria excepcional, seriam demasiadamente úteis.

Notando a aceitação dos adversários, Magnus abriu um larguíssimo sorriso e tirou dos bolsos as mãos. Novamente fortificou seu corpo com Hierro, e focalizou pressão em seu braço, defendendo a investida da zampakutou com buscava perfurá-lo.

Magnus jogou a lâmina para cima, empurrando-a com o antebraço, enquanto gingava à esquerda a fim de fazer uma finta, confundindo o adversário. Com sucesso, o pé esquerdo de Magnus atingiu os do adversário, fazendo-o cair.

O Vasto Lorde saltou, dando um mortal para trás. Seus pés atingiram o rosto de Zatuno, que perdeu o equilíbrio e caiu de costas. Magnus pousou sobre a cabeça dele e pisou três vezes, com força, fazendo-a enterrar-se no chão devido a pressão. Subiu, voando alguns metros no ar, e novamente desceu, fincando seu calcanhar na máscara do homem, que estilhaçou e, ato contínuo, ele desmaiou.

O Velho sorriu, olhando para Harutora.

— Menos um, você vê. — Colocou a mão direita no bolso, agachando-se e tomando em seus dedos a zampakutou do desacordado. — Agora é sua vez. Não garanto que será indolor. Tem certeza que deseja batalhar até o fim? — Questionou, verdadeiramente curioso com a coragem do primeiro. Ele tinha um “nobre” objetivo. Não queria a morte de Magnus por pura vontade individualista.

E então Magnus viu um ataque crescer contra si. Da lâmina adversária, um denso raio pôde ser ouvido ribombar ao longe, sua shikai. As nuvens imediatamente escureceram e raios laranjas puderam ser vistos ao longe, como se natural fosse.

O Vasto Lorde olhou acima, para ver a formação das nuvens, e surpreendeu-se com o ataque que veio em sua direção, desavisadamente. A lâmina do adversário prensou em seu braço, freando no osso. Magnus gritou de dor pela surpresa.

Imediatamente recuado, Magnus abriu a boca e, num segundo, um forte cero desprendeu-se de si. A densa energia vermelha turbilhonou no ar, matando a grama, e chocando-se violentamente contra a zampakutou energizada do inimigo.

O cero explodiu tão logo Magnus cessou o disparo, e ambos os dois foram jogados para trás. Magnus sentiu o perigo e desviou-se do nada pela esquerda, e logo um raio forte ribombou ao seu lado, carbonizando o chão. Devido a energia residual, os todos os cabelos de Magnus arrepiaram-se.

Poderes elétricos eram um porre.

Magnus novamente tentou desviar-se de um raio vindo em sua direção, mas agora vinha da zampakutou adversária, todavia, não fora suficientemente veloz. O raio atingiu-lhe no peito e o enviou derrapando alguns vários metros para trás.

O Vasto Lorde respirou profundamente, buscando destravar seus membros, que contraíram-se em virtude da energia.

Magnus, ainda caído, deu uma alta risada. E mais uma vez foi atacado com o raio. E outra. E outra. E continuava a rir.

— Por que — pausou — diabos — pausou — você não morre? — Gritou o adversário a cada disparo de seus raios. Olhando profundamente nos olhos da criatura, Magnus levantou-se, escorando numa árvore que imediatamente caiu com a força exercida. O dono da residência olhou para o fato com incredulidade.

O descontrole da força provavelmente decorria de seus membros ainda estarem meio contraídos por conta dos ataques. Que desagradável. Deu a volta e agarrou o tronco, levantando-o e o reinserindo no solo. Não entendia nada de botânica, mas esperava que se regasse a árvore voltaria ao normal.

Completamente ignorado, o Vizard demonstrava-se impaciente. Magnus o ignorou e continuou olhando a árvore reflexivamente.

— Eu irei morrer. — Disse Magnus. — Mas não hoje. — Fez uma pausa dramática, enquanto tocava as folhas amareladas que os galhos sustentavam. — Infelizmente. De qualquer forma, eu realmente estou impressionado em ter sido tão... Danificado. Essa sua habilidade é boa. Imagino sua bankai, com certeza é interessante. — Seus olhos agora viraram-se para Harutora. — Conte-me, qual seu maior desejo? — Questionou.

— Meu desejo é ter um propósito. E o que escolhi como propósito foi seguir meu papel de shinigami... Usando os poderes que hoje tenho para isso. Não desejei esse poder. Mas eu o tenho e devo utiliza-lo para os fins que há séculos fui incumbido. — Respondeu Harutora, seus olhos desviando-se dos de Magnus e olhando as nuvens.

— Conte-me, Harutora. Por que hoje porta essa máscara? — Magnus questionou, clara curiosidade em suas palavras.

Harutora abaixou sua zampakutou, sentando-se no chão. Desistira de lutar. Magnus o acompanhou, e se sentou sobre o abdômen do desacordado.

— Eu estava dormindo. Eu, não. Nós. Estávamos dormindo no décimo segundo. — Se referia ao Gotei 13. — Fomos sedados e sequestrados. Lembro apenas de flashs... Quando acordei, estava lutando contra a máscara que buscava dominar e ganhar espaço. Resisti, mas a maioria morre. A grande maioria morre, na verdade. Poucos são os que permanecem. — Suspirou, voltando a olhar o Velho. — De qualquer forma, quando consegui vencer o hollow que tentava me apossar, ganhei essa máscara. — E apontou o indicador para ela, aproveitando para removê-la. — Imediatamente fui jogado do Seireitei e estou aqui, agora, buscando o que fazer e como fazer. Você, Magnus, é uma anomalia. — Encerrou.

— De fato sou. — Concordou, maneando positivamente sua cabeça. — Eu também busco propósito, Harutora. Não sou um carniceiro, nem um maníaco por mortes. Como todos os arrancars, tenho consciência e raciocínio tão bons quanto os dos shinigamis. Alguns, entretanto, escolhem satisfazer seus fetiches e entregarem-se a seu lado mais bestial. Eu não. Há muito me tornei “aquele que vê”, que tudo observa e pouco faz. Tudo que fiz, ao longo dos últimos cem anos, foi acompanhar os eventos do mundo e lutar contra pessoas que, como você, me atacam. Estou, como dizem alguns, aposentado. — Magnus sorriu.

— Eu posso, entretanto, dar a vocês propósito — continuou —, posso fazer com que possam olhar para o futuro enquanto eu mesmo me pergunto qual caminho trilhar. Podem ser meus olhos, meus ouvidos. Podem ser aqueles que me oportunizarão conhecer e enxergar para além daquilo que meus olhos veem. — Suas palavras eram sinceras, notadamente. — Sou alguém com poucas, ou nenhuma, ambições. Tudo que desejo sinceramente é poder viver pacificamente. Acho, entretanto, que tudo que fiz foi observar, sem verdadeiramente enxergar.

Magnus levantou-se do corpo adormecido, e tomou-o nos braços, deitando-o ao lado de Harutora.

— Não irei matá-los, mesmo que decidam por não me seguir. — Magnus levantou o assunto. — Não há motivos para que eu os mate. Entendendo seus objetivos... Compreendo que minha morte por si só não irá satisfazê-los e, mesmo que voltem com o anseio de me matar e o consigam, não lhes servirá de nada. — Magnus ficou ereto, olhando de um para o outro.

— O que vocês decidem? Pergunto, mesmo com ele desacordado, pois imagino que escolheram por trilhar o caminho que virá em conjunto. E um fará o que o outro desejar. — Magnus questionou, por fim.

— Iremos acompanhá-lo, Magnus-sama. — E curvou a cabeça.

— Pois bem. Pegue-o e leve-o daqui, cure-o. Convocá-los-ei quando for a hora de fazer valer seu juramento. Até lá, Harutora, trate de enxergar.