Thorn
Vinte dias já haviam passado desde os acontecimentos em Tokyo, metade desses dias passei me recuperando, diminuindo até mesmo as minhas obrigações como tenente. Durante esse período meus pensamentos sempre retornavam a culpa, não somente pela perca de Keito, mas por minha falha em vingá-lo. Se eu não tivesse me contido, se eu tivesse feito de tudo, talvez aquele arrankar não estivesse a solta. De qualquer forma, Tokyo mantinha-se sobre a vigilância constante da divisão, dessa vez em duplas que alternavam a cada cinco dias, esperando para que finalmente um sinal ou pista sobre seu paradeiro aparecesse.

Ainda era cedo quando deixei meus aposentos, Hikari, a oficial novata, já aguardava ao lado de fora. — Tenente-sama! — exclamou com minha aproximação, exibindo um sorriso tão belo quanto inocente. Respondi com um sorriso educado, balançando levianamente a cabeça em afirmação. — Perdão pela aparição repentina... é que temos notícias de Tokyo. — suas palavras alimentavam uma chama que ardia a dias em meu peito, um desejo restrito que havia sido deixado no dia da minha falha.

— A névoa voltou a aparecer durante a madrugada do mundo humano. Realizamos o procedimento instruído, forçando um apagão completo na cidade, forçando a população a interromper seus afazeres e se abrigarem em suas casas ou estabelecimentos. Após isso, usamos das técnicas aperfeiçoadas para impedir que a neblina tomasse conta da cidade. Foi um trabalho longo e difícil, mas bem-sucedido. Não houve baixas e somente um hollow surgiu, mas foi facilmente contido pelos oficiais. — relatou Hikari.

Assumir a responsabilidade sobre uma capital humana não era um simples trabalho, com muitas mortes o escândalo e apavoro dos humanos era inevitável, tornando a cidade um chamariz para hollows famintos por almas em desespero. Por conta disso, mesmo em repouso, elaborei um sistema de ação rápido para quando a névoa voltasse, mas era necessário que cada passo fosse seguido a risca, caso contrário o seguinte falharia. Talvez fosse sorte, talvez não, mas tudo seguia como previsto e os humanos estavam salvos por mais um dia.

— Obrigada, Hikari. Eu assumo daqui, prepare o senkaimon, irei partir imediatamente. — ordenei, me preparando para o eminente combate. — Dessa vez não falharemos, Rose. — sussurrei.

Thorn
Ela não estava feliz. Para Rose, o combate com aquele arrankar teria durado até sua morte, e com a chegada de seu esquadrão ela lutaria por eles e com eles, sem permitir que o inimigo houvesse escapado. Ela também não alimentava esse desejo por vingança, indiferente a quem vingasse a Keito, seria o suficiente para o seu conforto. No entanto, eu acredito que nem mesmo ela entende seus reais sentimentos, a frustação de nossa falha, não fomos criadas para isso, não treinamos nossa vida inteira para ser derrotada diante do primeiro arrankar que surgiu em nossa frente. Então, por mais que eu entenda o desejo de vingar a Keito, não encontro minha motivação nisso, mas sim na oportunidade de derrotar ele de uma vez por todas.

Quando o portal entre os mundos estava concluído, parti, ordenando a Hikari que não sinalizasse a minha chegada nem mesmo aos demais oficiais. Estava com meu disfarce humano, mas envolta de um capuz, tentando não ser facilmente detectada como da última vez. Tokyo estava movimentada, seus centros sempre eram amontoados com pessoas atarefadas.

Havia acabado de chegar, mas senti aquele arrepio gélido sobre meus pés, era a neblina, ela estava sobre os pés de todos, de uma forma leve, sem que chamasse muita atenção, ele estava se alimentando de dia, sem que os demais shinigami sequer desconfiassem, mas dessa vez não seria tão simples. Toquei a névoa por alguns instantes, buscando rastrear para onde meu reiatsu estava sendo direcionado.

Minha busca não me levou para muito longe dali, um enorme prédio em funcionamento, onde as pessoas iam e saiam constantemente, algo que normalmente os humanos chamavam de shopping. Ele estava ali dentro, mas onde? Continuei o rastreamento adentrando ao local descaradamente. A neblina parecia ainda mais extensa ali dentro, era sua estratégia, lutar em locais fechados o tornava ainda mais poderoso. Seguindo o restante do rastro, tudo levava a uma pequena sala de operações no subsolo do prédio, um local favorável para um esconderijo, o menor dos combates podia desestabilizar completamente ao prédio, eu tinha que pensar em algo e rápido.

Thorn
Adentrei a pequena sala no subsolo rispidamente, passando-me de um funcionário qualquer. Notei quando a criatura se assustou, recuando e se escondendo, era inevitável um ataque naquele momento, mas eu só precisava de alguns segundos. Aquele local era onde a ventilação do shopping era controlada, todos os tubos ligavam as mais diversas áreas daquele prédio e correntes de ar quente corriam pela sala uma vez ou outra. Não havia neblina ali, era impossível mantê-la com tanta ventilação, por mais que tornasse mais fácil o envio dela as demais áreas. Além disso, aquela sala era menor do que eu imaginava, ela não mantinha a base do prédio, se fosse destruída, apenas abriria um buraco acima e eu tinha que contar com a sorte para que nenhum humano se machucasse.

Saltando das sombras, o inimigo avançou, com as mãos nuas acreditando que era apenas um alvo fácil. A espada foi sacada em um contra-ataque defensivo, cortando seu braço que mirava me agarrar. Saltei para longe, deixando o capuz revelar minha verdadeira aparência. — Espero que esteja tão feliz quanto eu com o nosso reencontro. — minhas palavras acompanharam a movimentação da minha espada, apontada na direção do arrankar.

No entanto, havia algo diferente, seu olho brilhava amarelado enquanto me encarava, ele não demonstrava a mesma personalidade de antes, nenhum sorriso em seu rosto, apenas um sentimento de fúria e descontrole, sacando a própria espada em resposta ao corte em seu braço. Pelo que eu havia aprendido, um arrankar não perdia tão facilmente o controle sobre si, mas algo me dizia que quem eu estava enfrentando hoje, não era o mesmo de antes.

Thorn
Em um rugido de ódio a criatura avançou novamente. Ela parecia mais rápida do que quando nos enfrentamos a primeira vez, forçando a todo instante uma concentração absoluta para aquele combate. Nossas espadas iam de encontro uma com a outra, demonstrando-se nêmesis iguais, mas seus ataques vinham numa cadência tão superior as de outrora que me fazia ignorar tudo o que havia planejado para aquele embate. Em meio aos seus golpes, tentava encontrar uma maneira única de iniciar meu ataque, mas não havia brechas para atingi-lo, eu teria que ser atingido e não parecia uma ideia tão interessante naquele momento.

Esperei uma nova chuva de ataque, recebendo-a enquanto me afastava, aproximando-se da parede. Quando próximo, usei do impacto do ataque para me erguer sobre a parede, pulando para suas costas e atacando rapidamente com uma estocada. Minha espada atravessou seu corpo, mas não o ferindo e sim encontrando o nada pelo seu reflexo rápido, fincando na parede a minha frente, impedindo que eu respondesse rápida o suficiente para evitar o seu golpe.

Recuei, sentindo o sangue escorrer através do meu ombro esquerdo, a criatura também havia parado ao atingir o golpe, rugindo ainda mais alto e revelando um sorriso arrepiante abaixo de seu olhar diabólico. Usar minhas habilidades naquele lugar era impossível, significaria a morte de muitos humanos por minha própria culpa, eu tinha que encontrar uma brecha para derrota-lo, mas nada que eu fizesse parecia ser o suficiente.

Dessa vez, fui a primeira a atacar, brandando em um golpe tão intenso quanto os seus, se não conseguia evitar seus ataques, usaria da mesma estratégia dele, o atacando tão freneticamente que não houvesse espaço para revidar, estava pronta para destruir aquela criatura de uma vez por todas, custasse o que custar.

Rose, nós iremos vencer, eu prometo, não falharei novamente.

Thorn
Num encontro de espadas, os golpes foram tornando-se tão frenéticos como desejado, o arrankar ficava cada vez mais sem saída, defendendo-se enquanto tentava recuar, mas a cada passo para trás, eu acompanhava com um para frente, seguindo-o e limitando seu espaço de ação. No entanto, os golpes haviam um sentido, eu estava o forçando até a entrada de ar, havia notado que as correntes vinham em intervalos de dois a três minutos, se eu conseguisse estagnar ele no local, na hora da corrente eu teria uma brecha para o ataque perfeito.

Quando notei o som da corrente se aproximando, arrisquei um golpe ainda mais intenso que os anteriores, forçando o arrankar a recuo imediato, no momento de seu salto a corrente de ar subiu e nessa abertura eu avancei, em um golpe horizontal, dividindo o arrankar em dois, com uma facilidade inesperada. A criatura caiu ao chão, em um grito que não durou pouco mais que alguns segundos. Entretanto, diferente das formas convencionais, o arrankar apenas se desfez em fumaça. — Não achou que seria tão simples... shi-ni-ga-mi?! — a voz ecoou pela pequena sala, enquanto a neblina retornava, mas de vez se espalhar, novamente se reagrupou a minha frente, formando a imagem do arrankar.

— Apareça seu desgraçado! — gritei enfurecida, avançando velozmente e fatiando mais um do que parecia ser um clone de sua forma original. — Você atrapalhou por tempo demais os meus planos, essa noite será uma noite especial, minha neblina invadirá Tokyo uma última vez, e nessa noite de lua cheia... eu me tornarei um deus. — seu clone profetizava as ameaças enquanto se desfazia em minha frente, com um sorriso que ecoou por todos os corredores daquele lugar. Ao fim, a fumaça se desfez por inteira, até mesmo as que corriam pelo shopping se foram, mas o alerta estava dado e nessa noite, eu teria a missão de matar a um deus em sua ascensão.

Rose
Gosto de admirar esses pequenos aspectos do mundo humano, como o de hoje, a lua cheia trazia uma forma nova de enxergar aquele pequeno globo aos céus e, por conta disso, toda a natureza parecia responder aquela pequena mudança. No entanto, nessa noite não me restava tempo para admiração. Busquei aos demais oficiais em Tokyo, encontrando-os e informando sobre as habilidades que havia descoberto. Teríamos uma noite longa, cogitei solicitar reforços, mas não seria necessário, eu posso derrota-lo e para isso só precisava de tempo para encontra-lo, algo que os dois podiam me ajudar a ganhar.

Quando a noite chegou, aos pouco a neblina começou a surgir, diferentemente das outras vezes, ela vinha lentamente avançando, surgindo no horizonte somente, não parecia engolir a cidade inteira como sempre. Os oficiais alarmaram-se imediatamente, mas eu apenas observei.

— Esperem... não vamos nos precipitar. — ordenei.

A neblina começou a se concentrar em uma só área, agrupando-se em diversas novas imagens. Um, duas, três até centenas de clones do arrankar surgirem. No céu, o original surgiu, com um sorriso esplêndido em seu rosto. — Nessa noite todas as almas de Tokyo serão minhas. Nessa noite, eu me tornarei um deus! —.

Levantei encarando-o enquanto sacava minha zanpakutou — Cuidem dos que estão lá embaixo, são apenas clones, tomem cuidado e não terão problemas em lidar com eles. Eu cuido dele. — ordenei, apontando a espada na direção do original. Antes que fosse tarde, avancei com a espada em mãos, não tinha tempo a perder, tudo terminaria ali e agora.

Rose
No encontro entre as lâminas as faíscas surgiram. Aquele primeiro instante de um combate já demonstrava que as forças do original não era a mesma de seus clones, sua agilidade era comparável a minha, mas sua superioridade era notável em suas ações. Meus golpes haviam um ritmo, mas não sincronia, não havia objetivo em meu ataque se não a vontade pura de ferir ao meu inimigo e isso não seria o suficiente. Talvez se Thorn assumisse o controle ela teria mais determinação nesse combate, mas não, aquele momento chegou, e eu era responsável por ele.

— Vamos shinigami, se continuar assim logos seus companheiros lá embaixo vão se cansar. E será ótimo consumir você e a eles assim como fiz com seu amiguinho. — suas palavras me atingiam facilmente, aquele era o inimigo que tinha matado a Keito, aquele era o inimigo que tinha me humilhado, ele não podia sair impune daquilo.

Das pontas do dedo dos arrankar um brilho começou a surgir, era uma técnica conhecida dos hollows. O cero foi lançado e por mais que minha zanpakutou fosse resistente, era impossível aparar toda a dimensão daquele ataque, atravessando além das laterais e ferindo ambos os meus braços. A batalha sequer havia começado, mas eu já estava derrotada.

— Nobara-sama!! — o grito clamou minha atenção, um dos oficiais havia sido ferido e agora somente um lutava pela sobrevivência de ambos. Eu podia tentar, chamá-la e esperar que respondesse, mas eu sabia que naquele instante tudo só podia piorar com sua presença. Eu não precisava dela, eu precisava lutar, apenas lutar, se fosse motivos o que eu procurava, que encontrasse em meus desejos, em Keito e em todo o meu esquadrão.

O reiatsu se manifestou por toda a espada, liberando uma pressão espiritual tamanha contra aquela criatura, avançando usando shunpo em um ataque único, arrancando o seu braço em meio a um corte, o mesmo em que ele havia usado para desferir a técnica.

— Isso termina aqui. — declarei.

Rose
— O que você fez??! — o desespero da criatura começava a transparecer com a perda de seu braço, um comportamento que rapidamente refletiu nas criaturas que estavam abaixo de nós, que gritavam e compartilhavam da mesma dor e frustação de seu mestre. No entanto, aquele combate ainda não havia terminado, avancei novamente em uma investida contra meu algoz, que ainda tentava se defender com sua espada. Dessa vez, cada estocada não era apenas rítmica, mas também possuía uma vontade, uma determinação, por mais que tentasse se defender, era inevitável que em sua atual situação não sofresse alguns cortes pequenos.

— Seu destino encerra aqui. Você já viveu por tempo demais. — novamente aquela aura de reiatsu se fez presente através do meu corpo, acompanhado de um olhar intimidador contra a criatura que transparecia seu medo, sua frustação e sua raiva, todo seu plano arquitetado terminaria sem chance de sucesso, para aquele que almejava ascender como um deus, seria esmagado como uma formiga.

— Por você... Keito! — em um último avanço a espada rompeu ao céu e alcançou a terra, em um único golpe que o dividiu ao meio, igualmente ao que tinha feito com seu lacaio. Seus olhos se arregalaram uma última vez, enquanto todo seu corpo se desfez em energia espirtual. Os clones tiveram um mesmo final, desaparecendo e iluminando a noite com as fagulhas de reiatsu que subiam.

Desci até os oficiais, que por mais que houvessem se ferido, ainda estavam vivos. Tokyo finalmente retornava a sua segurança cotidiana e podíamos retornar. — Descansem. — ordenei auxiliando um oficial a sentar. — Cuidarei do nosso retorno imediato. — disse, direcionando a minha zanpakutou a frente, conjurando um senkaimon para nossa passagem tranquila, girando a zanpakutou como uma chave —Vocês fizeram um bom trabalho hoje. — confortei.