Havia um distúrbio no Hueco Mundo.

Já faziam algumas semanas desde que o Espada nº 1 e meu chefe direto, Magnus Zu Wasser, havia deixado o Hueco Mundo. Aquilo não era incomum, até pelo espírito contemplativo e andarilho daquele arrancar em especial. Fazia parte de sua essência, afinal. O problema é que sobrava para nós, seus fraccións, as tarefas de colocar um pouco de ordem naquele deserto maldito!

Normalmente, o Hueco Mundo é um lugar pacato. Há hollows convivendo em várias colônias. Menos Grande que se aproximavam e se canibalizavam em busca de poder ou para pressionar o mundo humano, obsediando-os. Em alguns casos, esse movimento de canibalismo gera alguns adjuchas, que são hollows com consciência e mais poderosos.

Naquela oportunidade, em específico, tinha recebido uma mensagem de que um adjucha estava arrumando problema numa das áreas sob nossa responsabilidade. E, como não tinha nada melhor para fazer, fui checar.

Quando cheguei no local, a cena bizarra.



Um adjucha com mãos na forma de grandes pinças fatiando e devorando outro adjucha, algo incomum. Normalmente eles costumam se alimentar de gillians e outros hollows inferiores, dificilmente entrando em conflito com outros.

— Oe, oe… Que bagunça é essa aqui?! – Já fui falando e desembainhando Aquantis, minha zanpakutou.

— Kurekekekekeke… Vo-você… Quem… Quem é você?! – A voz do ser era aguda e seus dentes pontiagudos. Seus olhos, na máscara, eram completamente vermelhos e sem íris aparente. — Saia daqui e me deixe comer em paz… Kurekekekeke! – E continuava a rasgar o tórax do outro hollow.


Rapidamente, abaixo dos meus pés, o vento se movimentava rapidamente. Uma fina camada de areia subia, enquanto minha pressão espiritual emergia numa cor âmbar, como meus olhos. O adjucha, imediatamente, parava sua comilança. Colocava-se em posição defensiva, com as mãos-pinchas postadas à frente do tronco.

— Grrr… Gr… O que você… O que você quer?! – Sua boca estava toda babada, depois do deleite com o corpo alheio. Meu olhar era sério, impassível àquela altura. — Grrr… deixe-me em paz!

O adjucha avançava com suas lâminas em riste, visava um golpe em “X” de fora para dentro com as duas garras. Com a minha zanpakutou já fora da bainha, posicionava ela – segurando com as duas mãos – na horizontal. E, então, o choque!

— Você poderia escolher consumir as almas humanas, no Mundo Humano. Você poderia escolher outros gillians inferiores a você. Você, até, poderia pegar Menos Grandes para saciar sua fome… Porém… você decidiu matar um adjucha, como você… – Segurava com firmeza a espada, transmitindo minha reiatsu para a zanpakutou. O adversário deslizava suas garras pela lâmina, produzindo pequenas faíscas. Mesmo com toda sua força, mão me movia nem um milímetro para trás. Olhava-o profundamente nos olhos de sua máscara. — Não consegue perceber que o quão não-natural é isso?

Por fim, ele cede, saltando para trás.

— E quem você pensa que é para dizer o que devo ou não fazer? É uma espada? É o próprio Rei Hollow? Até onde sei, você é apenas uma arrancar… como um dia eu também serei! – Minha pálpebra tremeu. Em seguida, meus olhos aumentaram e as íris diminuíram.

— É O QUÊ?! – Simplesmente desaparecia de seu campo de visão!


— SONIDO —

O barulho característico da movimentação dos arrancares, sonido, e já reapaecia em suas costas. Estocava a minha zanpakutou na altura do deltóide anterior esquerdo, perfurando a articulação. Girava a espada, garantindo que inutilizaria um de seus braços.

— Graaawwwh!!! – O adjucha gemia, caindo de joelhos. Retirava a zanpakutou fazendo um fio de sangue jorrar do ponto atingido. Porém, no instante seguinte, ele buscava golpe com o outro braço funcional!

Não houve tempo para uma defesa mais elaborada. Simplesmente joguei o tronco para trás, acompanhando o movimento circular. A lâmina do adjucha passou a poucos centímetros do meu torso, fatiando minhas vestes e meu colar de contas, espalhando as pequenas conchinhas na areia.

— Kurekekekekeke… parece que a mocinha ficou brava, do nada, hã? Minha fala te causou surpresa? Eu já vivi muitos séculos aqui no Hueco Mundo. Durante anos fiquei silenciosamente me alimentando, digerindo outros mais fracos do que eu. Adquiri essa forma há pouco mais de três décadas, mantendo minha pressão espiritual selada, fora do radar… Eu posso ser um gillian, apenas… Mas eu sei que há um caminho para crescer e esse caminho passa… – Ele avançava, desta vez, com um golpe de baixo para cima!

— Eliminando pessoas como VOCÊ!!! KUREKEKEKEKEKEK!!!


Ferro.

Fechava meu corpo através da minha pressão espiritual, sua única lâmina funcional àquela altura, arranhava aquela camada protetora, faiscando como se fosse uma faca de cozinha numa porcelana cara. Eu estava intacta.

— Você tem fome de crescer, eu admiro isto. – Aproveitava a brecha para, de frente, dar uma segunda estocada no outro deltóide, desta vez o anterior direito. — Porém fome não é tudo. Pelo contrário… – Desta vez, girava a espada com as duas mãos, fazendo um corte para baixo e, na sequência para cima. O membro direito do adjuca era decepado. Mais sangue… Desta vez respingando em minha roupa branca, manchando-a de um carmesim escuro.

— Fome é apenas instinto. O verdadeiro poder… Como é seu nome mesmo?

— Shiji… Shijim–!!!

— NÃO IMPORTA! – E colocava a espada de lado, apontando meu dedo para o meio da testa do inimigo. — CERO! —


Rapidamente uma pequena esfera de energia negra e âmbar se formava na ponta do meu dedo e penetrava a máscara inimiga. Como um tiro, a energia transpassava a máscara, fazendo-o o corpo sem vida do adjucha sem nome tomar. Embainhar a espada. Dissipando minha pressão espiritual e suspirando.


— O verdadeiro poder, ele vem ao despertar… Ou você tem, ou você não tem…