Num beco noturno, um grupo de pessoas se aninhavam ao redor de uma lata de lixo de metal com um braseiro queimando em seu interior.

Era noite, cerca de dez horas, e a lua estava minguante. Ou seja, estava particularmente mais escuro do que o normal. Naquele ponto, uma fina garoa descia dos céus, sendo abrandada por uma série de objetos dos arranha céus que cresciam formando aquele lugar úmido. Um balde captava a água da chuva num determinado ponto, enquanto uma das pessoas fungava.

Outro, pegava um cigarro entre os dedos e acendia um cigarro.

Uma mulher puxava uma ampola com uma seringa e dava dois tapas no conteúdo até empurrar o êmbolo e sair um pouco do líquido pela agulha. Um rapaz de pouco mais de vinte anos, recostado, mordia uma borracha velha de posto de saúde, gerando o torniquete no bíceps esquerdo, fazendo suas veias saltarem.

— Vaaai… aplica. – Suplicava, com a testa suando. Um quinto homem, por sua vez, bebia um gole de uma bebida quente e forte. Arrotava, movendo-se um pouco.

A moça então enfiou a agulha no rapaz, descendo o líquido do conteúdo da seringa de forma ritmada. E, como se desfalecesse, o rapaz fechava os olhos e abria um largo sorriso.

Havia batido a onda…

Após aplicar a droga, a moça deu um longo e molhado beijo no chapado. O que fumava, agora trocava com o rapaz da bebida. Um cigarro por uma garrafa. Partilhavam o pouco de tudo, numa vida miserável, digna de pena.

— Ei, deixa um pouco para mim, cara! – Berrava o rapaz que agora estava com o cigarro. Ele era grande, corpulento e careca. Seus olhos eram fundos e o nariz adunco. O que estava com a bebida era quase que o oposto, magro alto e com um cabelo longo preso num rabo de cavalo. Ambos usavam trapos. Ambos com os olhos puxados. O corpulento dava um empurrão no primeiro que caía e bunda no chão, quase deixando a garrafa quebrar.

Enquanto isso, o casal desavisado e drogado continuavam se pegando, iniciando um sexo ali mesmo, no chão.

— Oe, oe… qualé balofo vai quebrar a garrafa? – Indagou o magro, levantando-se. Ele coloca a mão livre nas costas e puxa um canivete, apertando o botão e fazendo a lâmina saltar. O outro, joga a bituca de cigarro no chão e pisa com o sapato direito, batendo uma mão contra a outra…

Ambos começam uma briga. O magro acerta um corte no ombro do careca, enquanto este joga o outro contra uma espécie de container de lixo, tipo aquelas usadas para colocar restos de obra. A batida é violenta, tanto que o rapaz sequer se mexe por alguns segundos. A lâmina voa à pouco mais de um metro. A tampa o objeto se abre…

Algo simplesmente sai – como um vulto – de dentro do container!

O corpulento arqueia a sobrancelha, sequer havia visto o vulto, apenas o movimento. Ele corre até o canivete, apontando-o para o vento em várias direções. O magro começava a se levantar…

— Q-quem está ai?! – Indagava. O gemido baixo da garota indicava que o rapaz drogado a havia penetrado. Não estavam mais ali. Um novo movimento rápido e algo tomba da lata de metal com o fogo que se apaga.

Breu total!

Então, uma sequência de movimentos e o barulho agonizante de vidas se esvaindo. O som do que pareciam lâminas dilacerando corpos e gritos abafados. Em poucos minutos, não havia mais nada que não fossem corpos e sangue naquele beco. No dia seguinte, a manchete estava pronta: “Mortes misteriosas surgem como lendas urbanas em Yokohama assustando moradores de rua!”


Um mês depois daquele fato, uma garganta se abre vinda do Hueco Mundo.

No último andar de uma construção, sentava-me sobre a amurada olhando para todas as cores na noite japonesa. Que lugar belo, ao seu jeito. Fecho os olhos por um instante, refletindo sobre o que tinha me trazido até ali.

Um dos gillians que pertenciam a um grupo antigo que liderei havia sumido. A última notícia que tinham dele é que estaria vindo para aquela cidade se alimentar. Porém, faziam dias que não se tinha notícia do seu reiatsu. Precisava encontrá-lo…

 

Já fazia alguns dias que estava em Yokohama.

Utilizava, durante um dia, roupas típicas das pessoas da época atual. Porém, apropriadas para minha aparência em termos cronológicos aos humanos. Uma espécie de vestido de quadro longo, uma blusa fina e bege e uma bolsa de colo. Durante a primeira semana busquei me informar.

É engraçado como as pessoas perderam o apreço por conversas, agora vivem enfiados em pequenos dispositivos retangulares de diferentes cores que brilham. Chamam eles de smartphones, mas poderiam ser chamados de “escravophones”, pois os humanos se tornam – literalmente – escravos desses negócios!

Numa cafeteria que fui e tentei contato com um policial o idiota não parava de ficar olhando para a bentida tela do dispositivo o tempo todo e só me respondia monossilabicamente. Não preciso dizer que, durante a noite, ele teve um encontro especial com a morte, né?

Nas últimas quatro semanas, todas às sextas-feiras por volta das 22h, aconteciam mortes brutais nos becos de Yokohama. Drogados, bêbados, prostitutas, mendigos e toda e qualquer escória social tinham um encontro com o pós-vida. Cortes profundos, membros arrancados e um sinal muito característico: dois de perfuração no peito, no exato ponto onde fica o coração.

Eu sabia exatamente do que se tratava aquilo. É a assinatura de um dos gillians, Pachekkar, que costumava andar no passado. Antes de conhecer Tengu (@Djuniou) e Lozano (@Xaxy). Tínhamos o mesmo anseio de crescer em poder e hierarquia no Hueco Mundo, mas fato é que após uma desavença sobre uma decisão em particular – de se alimentar ou não de crianças hollows – nos afastamos.

Deixe-me explicar, antes que pensem que eu seria a parte ética: nunca fui.

E sim, alimentei-me de todo e qualquer espírito que esteve ao meu alcance. Humanos, plus, outros hollows, gillians, de qualquer tipo. Se estava ao meu alcance e, principalmente, no meu caminho ao topo… Bom, já deixei claro qual o destino.

Pachekkar tinha uma espécie de “código de conduta”, só buscava almas perturbadas.

Certa vez, chegamos a lutar um contra o outro e foi, naquela oportunidade, que eu o ceguei. Já era uma adjucha naquela altura e decidi poupá-lo muito mais como uma punição pela ousadia de desafiar meu desejo de crescimento, do que por misericórdia.

O fato era: Pachekkar havia sumido durante um bom tempo do Hueco Mundo e, agora, nesta cidade do Japão uma série de assassinatos sem explicação aparente aconteciam toda semana.


Era noite, finalmente. E sexta-feira. Olhava de um ponto qualquer no centro da cidade para um grande outdoor luminoso. Um grande telão formado por várias LEDs que reproduziam propagandas e no canto superior direito exibia o horário: 21h49.

Onze minutos.

— Huuuum… – Olhei um instante para o céu. A lua estava cheia naquele dia. Levemente amarelada sob as nuvens que dançavam ao sabor do vento. Meu turbante dançava, assim como minhas vestes, alvas como a neve. Meus olhos âmbares fitavam, ao longe, as pessoas apressadas, os carros, as motos. Muitas delas. Em todas as direções. Numa orquestra desenfreada, mas incrivelmente harmoniosa. Odiava os humanos, mas eles até que tinham algum grau de genialidade em suas coisas, sobretudo naquele curto espaço de tempo que chamam de vida.

Esperei até o horário onde normalmente começavam os assassinatos. Quando o painel de LED marcou 22h, fechei os olhos:


Um pulso emergiu do ponto onde estava, alargando-se em 360° comecei a avaliar os pontos de Reiatsu que me chamavam atenção…

— ... Oeste, hã? – Sentia não só uma, como duas pressões espirituais vindas do ponto. E, pior, estavam em choque!

Concentrei meu corpo por um instante e, então, comecei a me mover em alta velocidade!


Quando cheguei, uma cena um tanto curiosa. Vários corpos dilacerados – e demorei pouco menos de cinco minutos – e um combate acontecendo bem na minha frente.


— Mpf, mpf… Por que você está matando todas essas pessoas? – Perguntou a mulher de cabelos curtos, loiros, com um tapa olho. Carregava uma zampakutou, o que somada às suas vestes me fazia crer que era uma Shinigami.

— Pachekkar não deve satisfações a você, Shinigami! – Após tanto tempo, uma certeza: era Pachekkar. E, agora, ele estava numa forma adjucha. Usava vestes brancas, calças folgadas e presa nas suas costas uma espécie de colméia com algumas asas que batiam violentamente e o mantinham a alguns centímetros do cão. Em seus punhos duas finas agulhas de ossos emergiam – o que mantinha seu golpe assinatura que batiam com os corpos assassinados, duas perfurações no coração. — Além disso, eu só elimino a escória da sociedade. Os invisíveis. Em verdade, eu faço um verdadeiro favor à vocês, Shinigamis, alimentando-me dessas almas e não permitindo que elas vão para o Mundo Espiritual!

Em pleno ar, ficava na posição de lótus. Por hora, não queria interferir. Nem, sequer, falei nada. Da mesma forma, ambos pareciam tão entretidos no combate que não perceberam a minha presença. Estava a cerca de trinta metros acima.

— É ai que você se engana, Hollow! Toda a alma humana tem um porquê de existir e todas merecem ir para o Sereitei. A minha missão é acabar com vocês! – Ela então desaparece e reaparece próximo do inimigo, com a palma da mão livre ela recita: — Oh, poderosas palavras dos seres superiores, oh entidades divinas que tudo sabem que tudo veem, mostrem a dor aos descrestes, o poder infinito da alma!




Uma energia azul envolve seu braço e ele gera uma explosão que empurra o hollow contra uma parede de forma rápida, mas pouco violenta.

— Pararararrar… A Gotei 13 realmente é muito tola ao mandar alguém tão FRACO como você para me deter! – Pachekkar então avança em extrema velocidade. Num rápido movimento, ele busca perfurar o ombro da Shinigami, porém essa consegue defletir bem com sua espada. Na sequência, uma nova tentativa com o braço esquerdo e este pega de raspão no abdômen da Shinigami, rasgando sua roupa.

Porém, não sem um revide! Sua espada faz um corte no tronco do adjucha!

— Mpf, mpf… Eu sou sou só uma Shinigami… Eu sou a 8ª Oficial do Esquadrão 9 da Gotei 13… Meu nome é Izadora Zanbrano! – Excelente, agora ela tinha um nome. Mas… 8ª oficial, o que aquilo queria dizer? Para mim, apenas que existiam, pelo menos, nove pessoas mais forte do que ela no esquadrão. Bom, continuava ali, observando.

— Oh, dominador! A máscara de carne e sangue, todas as formas, bata suas asas! Aqueles que foram coroados com o nome "homem". Chama ardente e guerra turbulenta, separa os oceanos, se eleva e cai, caminha em frente em direção ao sul!




Ela saltou para trás e, enquanto recitava, juntou as duas mãos apontando para o inimigo. Em poucos segundos, conforme trazia o encantamento, sua energia espiritural foi adotando uma coloração avermelhada e, como um canhão, disparou!

— Woow… – Comentei levitando alguns metros para trás com o impacto do deslocamento de ar em alta velocidade causado pelo golpe!

O impacto destruiu – desintegrou, para ser mais exato – boa parte dos restos mortais que ali estavam. Pachekkar recebeu todo o impacto, porém, ainda estava de pé, apesar de alguns rasgos em sua indumentária e marcas de queimaduras no corpo.

O segundo assalto estava apenas começando…

 

Pachekkar avançava dando um rasante contra a shinigami Zanbrano, dando uma sequência de ferroadas na adversária. Esta, por sua vez, consegue desviar de alguns, outros golpes consegue bloquear com sua zampakutou, porém recebia ao menos três agulhadas, recebendo um último impacto que a lança para longe, fazendo-a cravar a espada no chão para frear a projeção de seu corpo indiscriminadamente.

— Mpf… mpf… – Com sua zanpakutou à frente, Izadora estava levemente de joelhos. Ela, então, se levantava. Mas parecia que sua perna e ombro direito estavam com dificuldades…

— Pararararara… Minha Aguijón del Soldado possui um efeito paralisante onde perfura o alvo por cerca de quarenta segundos. Normalmente, quando acerto um ponto de órgão vital, como o coração, o corpo deixa de bombear sangue para as demais áreas do corpo, permitindo que eu elimine meus alvos com velocidade. – Explicava o golpe com certa soberba. — Desta vez, acertei seu ombro e perna, mas no próximo, se acertar seu coração… você será minha presa, Shinigami!

— Mal… Maldito! – O adjucha avançava novamente, sobrevoando o solo em alta velocidade. A ceifadora de almas se preparava, erguendo sua zanpakutou com a mão esquerda. Porém, o papo do hollow foi suficiente para fazer o efeito de sua técnica cessar, fazendo-a recobrar os movimentos a ponto de lançar um novo encantamento:

— Chamas imperdoáveis, proteja seus aliados e afete seus inimigos, espalhando as chamas em um circulo divino, nenhum escapará, suba até o infinito…


Quando Pachekkar tenta dar seu primeiro golpe a shinigami é envolta por uma roda de chamas. Uma barreira sobe impedindo a ofensiva e reprimindo o inimigo. No exato momento de hesitação, Zanbrano faz um profundo corte na diagonal!

O sangue jorra, sendo evaporado em alta velocidade pelas chamas que ainda a envolviam antes de se dissipar. A shinigami girava a zanpakutou para efetuar um golpe mortal – uma estocada na cabeça – quando…

CLANG! – Percebendo sua ação, desloquei-me no ar em alta velocidade, colocando a minha zanpakutou na horizontal pouco acima da cabeça. Segurava-a com apenas uma mão – mesmo com o tamanho e gume acima do comum – olhando-a diretamente:

— Q-Quem é você?! – Indagava a Shinigami, agora revelando sua ingenuidade: — Por que está impedindo que eu faça meu trabalho?

Pachekkar, por sua vez, olhava para mim rindo compulsivamente:

— Ora, ora… se não é a baleia do Hueco Mundo… Veio me salvar, Dandara?

— Hu-Hueco Mundo?! Então… você também é um ho-hollow? Ma… Mas… se parece tanto com um shinigami… E essa zanpakutou?

— Tsc. – Apenas com um gesto, empurrava a shinigami para trás. Em seguida, embainhava a zanpakutou: — A Soul Society realmente está ficando mole… Mandando uma oficial para lidar com um Adjucha… Ou perderam o sendo ou simplesmente quiseram descartar você, fedelha. – Olhava de forma impassível.


— Pachekkar, use essa garganta e volte para o Hueco Mundo, quando chegarmos lá vamos ter uma conversa. – Disse impassível, abrindo um portal para nossa terra-natal. Desembainhei a zanpakutou novamente.

— Grrr… quem é você?! – A shinigami não desistia e vinha novamente em minha direção.


Como ela já estava cansada e lenta, apenas apontei a lâmina na direção da mesma e da ponta desta partiram uma série de pequenas esferas de energia espiritual como uma metralhadora em cores negras misturadas com filetes em âmbar. A oponente, não esperando aquilo, recebia o impacto direto, como se fosse fuzilada. Cada impacto, mini explosões fazem ela ficar mais atingida. Até que cai no chão, cravando sua zanpakutou.

— Shinigami… Essa é uma das hollows que quebraram sua própria máscara após adquirir poder… Ela é uma arrancar. Seu nome é Dandara N’Zinga… – Respondia Pachekkar.

— Ué, ainda não foi embora?! – Indaguei, olhando para trás. Pachekkar estava de pé.

— Não! Essa Shinigami é minha presa, Dandara, não vou permitir que você a devore e aumente ainda mais seu poder… Não mais… – Ele então desaparece e reaparece na frente da adversária. Seu intuito seria aplicar seu golpe-assinatura dando dois furos no peito da jovem desgastada pelo combate. Porém, eu tinha outros planos.


Ficava à frente da Shinigami. Os golpes resvalaram na minha pele de ferro como se houvesse uma placa metálica ali.

— Ora, sua vadia!!! – Pachekkar insistia, porém seus ataques não transpassavam a defesa. Por fim, num giro circular eu fazia um golpe duplo com a zanpakutou!

Num golpe, dois corpos no chão… A cabeça da shinigami e metade do tronco do adjucha caiam, antes que o restante dos corpos tombassem. Embainhei a espada.

— Eu avisei para entrar na garganta, mas você – como sempre – foi tolo suficiente de me desafiar, idiota. – Falava com absolutamente ninguém, olhando de cima para o corpo inerte do adjucha. — Bom, ao menos os assassinatos estão resolvidos e menos uma shinigami também… É o que chamo de “dois coelhos numa cajadada só”.

E, por fim, joguei os restos mortais de ambos e daqueles corpos pela garganta antes de retornar para o Hueco Mundo…