—  O que eu me tornei, agora não posso mudar. No mundo humano, fui acolhido pela gélida brisa dos montes periféricos do hemisfério norte. Longe de toda a civilização existente, lá eu estava, ao topo do Monte Everest. Coberto por neve, sentava-me acima das nuvens, com pernas cruzadas e a curta espada sobre ambas as coxas, horizontalmente.  Pousei ambas as mãos sobre as extremidades da espada, e suspirei o gelo - Concentrando-me para adentrar naquele mundo maldito por mais uma vez. A risada que antecedeu a minha decisão de reconexão com a Zanpakutou foi a gota d'água para cumprir a promessa. Os olhos fecharam-se, e então, os montes nevados foram tomados por escuridão. Em um instante, a brisa congelante fora substituída por completo vazio. Eu estava lá, novamente. No meu abismo pessoal. O mundo de minha Zanpakuto era peculiar: Com um céu permanentemente obscurecido e sem estrelas, com somente uma única lua brilhante e nuvens cinzentas, mostrava-se como uma enorme ilha, circundada por um oceano infinito. Haviam construções diversas, ruínas, e todo tipo de fauna e flora que só seriam encontrados em um livro de terror. Porém, eles curvavam-se frente a mim. Até mesmo as árvores. Era um mundo doentio. Então, eles surgiram: Diversos esqueletos reergueram-se da terra, com instrumentos em mãos. Tocavam orquestras e sinfonias clássicas, como as de Ludwig van Beethoven, e até mesmo Mozart. O mundo decadente era acompanhado por trilhas fúnebres. Porém, eu não estava sozinho.

Há quanto tempo não nos víamos? Duzentos anos? Talvez um pouco mais? Lembrava-me com clareza daquele corpo disforme. O homem cinzento e sem rosto, com um sorriso permanente estampado em sua macabra feição. Senti o pulso de sua reiatsu, e virei-me. Lá estava ele, sobre uma rocha acima do nível das águas. Encapuzado, ele moveu-se rápido o suficiente para ser confundido com um teleporte. E então, parou a apenas um metro de mim. A luz do luar iluminava por debaixo de seu capuz, revelando um rosto inumano. Ele havia mudado - Sua forma mudou, e aparentemente, seu comportamento também. Não mais haviam risadas, não mais havia seu sorriso macabro.

Eu me enxergava nele.
Um grande vazio.

— "Você se lembra de meu rosto? Lembra-se de como nos tornamos amigos?" — O desfigurado ditou, sério. — "Você se lembra do meu toque? Dos meus conselhos? Ou tudo isso perdeu-se junto de sua honra?" — Finalizou.

Informações:

—  O Macabro homem deformado não possuía um dos olhos, e seus movimentos faciais eram desajustados - Como se os músculos estivessem agindo de maneira independente. O olho que lhe restava estava virado para cima, enquanto sua boca se contorcia para o lado direito, moldando uma figura demoníaca aterradora. Ele se aproximou para setenta e cinco centímetros de meu corpo, com um leve sorriso. Em silêncio, fitei-o em sua face maldita, enquanto o mesmo dava sequência a sua fala.

— "Quando eras criança, e via através do espectro da noite todos os monstros que vivam por debaixo de sua cama. A luz cegante que os afastava, os demônios do dia a dia que se escondiam nas sombras. Você se lembra daquela noite, Noritoshi? De quando você passou horas se olhando no espelho, perguntando-se o que havia de errado contigo?" — Ele continuou, com um sorriso irônico.

— "O que está tentando dizer, Black? Não nos vemos há mais de duzentos anos, e agora você está tentando aterrorizar a mim com suas historinhas de meia tigela? Eu vim aqui fazer algo muito maior do que escutar as suas baboseiras." — O respondi, sério.

— "Aquela noite...É porque você veste uma pele que não é sua. Quem está tentando ser, Noritoshi? A sua máscara ainda não caiu? Desde quando você se tornou tão covarde e patético? Este mundo está desabando porque você perdeu a sua força. Perdeu sua coragem. Você é uma sombra do que um dia foi. Não consegue compreender? Enquanto trilhar este caminho, será o mesmo merdinha que ladra e não morde." — O espírito da zanpakuto repreendeu, apontando o dedo para meu rosto.

O Que diabos aquele maldito estava tentando dizer? Eu bem sabia que ele era uma parte de mim - Uma extensão consciente de minha alma, mas mesmo assim, porque não conseguia assimilar nada do que ele dizia? Era estranho. Sentia como se estivesse pisando em um oceano profundo. Meus pés já não mais sentiam o solo, eu estava caindo, afundando, lentamente, mesmo estando parado no lugar. Tudo começava a mudar, pouco a pouco. As feridas de minha mente despedaçada viriam à tona.

De novo, e de novo.
Uma penitência.

Informações:

—  Memórias do início de tudo. De quando eu a conheci. Em minha frente, a imagem da primeira e única mulher que amei. Lembro-me de seus belos olhos esmeralda. De sua pele, de seu rosto. Lembro-me bem de seu sorriso, e de seus sonhos. A imagem da garota perfeita, o melhor presente de minha vida, e a maior razão para eu continuar trilhando esta vida miserável. Eu a prometi que jamais abandonaria sua memória. Eu a prometi que estaria vivo para vê-la sorrir, dia após dia. Porém, tudo acabou-se. Meus olhos pesaram, bem como a mente. Baixei os olhares, e fitando as pernas da mulher, enxergava os filhos que nunca tiveram a oportunidade de crescer. Tão sorridentes e belos quanto a mãe. Suas imagens logo desapareceram, um a um, até que ela também se foi. Reduzida a nada. Pó. Memórias distantes.

— "Quando você se sentiu sozinho após tudo aquilo, quem lhe socorreu? Eu." — O desfigurado ditou. — "Quem lhe ensinou a usar seus poderes? Que lhe deu a coragem para seguir em frente após perder sua família? Quem foi que te salvou daquelas emboscadas do passado? Todos aqueles momentos, todas aquelas ocorrências...Fui eu quem esteve ao seu lado, e não os shinigamis, Noritoshi." — Continuou.

— "Você me odeia, Black? Me odeia por ter lhe renegado de minha existência, e voltado como um covarde cego para buscá-lo em prol de auxiliar aqueles que mais me querem morto?" — Dei uma breve pausa. — "Eu entenderia o seu ódio." — Finalizei.

— "Eu nunca te odiei, e jamais irei, Noritoshi. Mas você foi fraco. Foi tolo, inocente. Deixou-se levar pelas emoções e entregou a si próprio de bandeja ao inimigo. E agora, como honrará a memória deles? Já é tarde demais para voltar atrás ou choramingar pela morte de sua família. O que passou, passou. Você é um homem. Um assassino. Suas lágrimas deveriam ser de sangue. Mas e agora...? Quem você é?" — Ele questionava.

— "Eu não sou ninguém. Eu nunca quis ser ninguém. Só um homem comum, com uma família. Eu queria viver feliz, sem mais mortes, sem mais escuridão ou sofrimento. Parece que até nisso...Eu consegui falhar. Não há espaço para alguém como eu na existência, Black." — Lhe ditei.

O Desfigurado então suspirou, e do interior de seus trajes sombrios, retirou um pingente dourado na forma de um coração. Em seguida, o arremessou ao chão, seguido por uma pequena espada quebrada. O pingente que ela havia me dado, e sua lâmina. O que ali estavam fazendo? Ele também me jogou diversos acessórios de outros que conhecia. Podia ver, brevemente, seus espíritos em cada item. Lembranças daqueles que jamais voltariam. Por que ele estava fazendo aquilo? Qual o motivo para tanta desgraça?!

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—  Compreendia o significado daquela repreensão: Ele queria me fazer entender que não adiantava chorar por aquilo que já não mais se encontra por aqui. Meus olhos se fecharam lentamente, e um suspiro pesado ecoou de minhas narinas. Em silêncio, tomei o pingente dourado e o coloquei ao redor de meu pescoço, deixando que o pequeno coração de ouro caísse para a altura de meu peito.

— "Então essa é a s-" — Foi interrompido.

— "Você não tem autoridade para dizer o que devo ou não fazer, Black. Eu já tomei a minha decisão, e você bem sabe disso. Posso não conseguir consertar o passado, mas não vou esquecê-lo. Você está certo, no entanto. É hora de abandonar essa dor, e seguir em frente. Eles já estão mortos. Tudo está perdido, não há motivos para querer vingar quem já não mais pode zelar por ti." — Ditei, observando o colar dourado. — "Os shinigamis são demônios que merecem a pior das mortes. E talvez eu esteja incluso nisso." — Continuei.

— "Noritoshi...Eu observei o seu crescimento, e estive ao seu lado durante este longo milênio. Eu confisquei a sua verdadeira força até que descobrisse quem és, por verdade. Você já sabe quem é? Shinigami ou Hollow? Decida-se." — Black ditou, colocando as mãos no bolso.

Então, o solo da ilha sombreada abaixo de mim rompeu-se, e fomos levados para um abismo infindável. Caindo na escuridão eterna, via diversos quadros - Como fotos de minha vida passando diante de meus olhos. Cada momento, cada sensação, cada sentimento, como se fosse a primeira vez. Eu estava frente a frente com minha história, e meu destino. Só cabia a mim agarrar-me ao fio que me prendia a este casulo da morte, ou desafiar tudo o que é divino.

Eu viveria pelos meus pensamentos e vontades. Não mais por velhos mesquinhos.
Viveria pela minha força, e não por ordens de arrogantes capitães.
Havia, enfim, me encontrado.

Naquele mundo vazio, me via, refletido na escuridão.

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—  Que mundo estranho. Que vida estranha. Tudo na escuridão ressoava para mim como uma harmonia sinfônica que há muito tempo não era escutada. Até que, de repente, pousei sobre o chão. Estava no completo vazio, em um mundo negro onde apenas eu existia. Acompanhado de nada além de minha própria solidão. Porém, eu não me sentia solitário - E tampouco triste. Ao contrário do que todos pensavam, há algo no abismo que eu sempre quis. Este vazio imensurável, esta sensação de completo abandono e tristeza. O destino final de tudo o que existe: Retornar ao nada. Retornar ao seu estado original de não existência.

O meu abismo enxerga. Minhas terras jamais foram vazias - O meu mundo nunca foi vazio. São eles que não podem ver esta verdade macabra. Alucinava comigo mesmo, e via-me em diferentes períodos do tempo. Para frente, o meu eu de mil anos atrás. Um infante com uma espada em mãos, assustado. Para a direita, um já formado oficial shinigami, ao lado dos capitães que seriam meus bons amigos durante três séculos. Para a esquerda, a minha antiga família. O sorriso eterno de minha esposa e filhos. E para trás...Eu via...Perdição. Não havia nada lá, mas ao mesmo tempo, havia.

Não havia futuro para mim. Era isto o que aquelas visões queriam dizer. Elas mostravam os pontos altos e baixos de minha vida, mas jamais o futuro. É porque ele não existe, se eu continuar traçando este caminho patético, seguindo este senso de justiça inútil que me trouxe nada além de desgraças. Cerrei os punhos, enquanto jogava olhares para cima. O solo desabou novamente, e agora, estava no oceano. Incontáveis ruínas flutuavam ao meu redor, consumidas pelo tempo. Peixes vagavam entre as construções mórbidas, que continham espadas cravadas nas mesmas. Elas carregavam memórias consigo. Memórias distantes, afundadas nos confins de minha mente.

Ao fundo do oceano, no entanto, não encontrei um inimigo.
Encontrei o mesmo pingente dourado que utilizava no momento.
Por que ele estava na escuridão, além de tudo, e todos?

Entendia.

O meu maior inimigo
sou eu mesmo.

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—  As figuras que tentavam assombrar-me não mais soavam ou se pareciam com demônios. Estavam mansas, e eram incapazes de me alcançar naquele vazio imensurável. Portanto, tudo o que fiz foi tomar o colar dourado para mais próximo de mim, e encarar os fantasmas de meu passado com minhas próprias mãos. Um eu de antigamente seria incapaz de lidar com o passado, mas agora era diferente. Com os punhos fechados, destroçava, um a um, cada fragmento das memórias malditas que há tanto tempo vêm me fazendo perder em um cinzento mundo de agonia. De pouco a pouco, os quadros que relembravam a minha vida cediam, transformados em nada além de pequenos fragmentos de memórias enterradas na história. Pequenas páginas de um livro queimado.

Mesclavam-se ao interminável abismo, caindo para onde os meus olhos não podiam alcançar. Me sentia aliviado. Cada memória renegada era um peso a menos que deixava meus ombros. Não mais estaria consumido pela eterna vingança, e muito menos a sede de sangue. Porém, ainda assim, livrar-me dos demônios do passado e conciliar-me comigo mesmo não era o suficiente. Estava longe de ser, afinal. Quando a última memória cedeu, o plano sombrio foi iluminado. O céu negro fora tomado pelo azul, e as nuvens cinzentas tornaram-se brancas. A grande ilha ao meu redor retornava, e abaixo de meus pés, nada além de curtas memórias do passado. Havia exterminado a escuridão maldita que consumia a minha alma, segundo após segundo. Já não mais estava presos àquelas correntes. Ali e agora, o encapuzado estava, me fitando nos olhos por mais uma vez.

— "Você não está em paz consigo mesmo, mas vejo que conseguiu superar o seu passado. Já estava na hora de fazê-lo, Noritoshi. Não se perca nestas memórias inúteis. Ignore estes sentimentos irrelevantes. Só irá se enfraquecer se você se deixar levar por estes conceitos abstratos patéticos." — Black ditou, estendendo o seu braço direito. — "Porém...Você ainda não se decidiu. QUEM VOCÊ É, NORITOSHI!?" — Questionou.

E então, ao estalar de dedos, a minha mente colapsou.
Me vi em dois mundos.
Me vi, simultaneamente, em duas vidas paralelas.
Reflexos do que eu viria a me tornar

A decisão cabia somente a mim, e mais ninguém.

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—  Fechei os olhos, e novamente, tudo pareceu mudar novamente. A Ilha desfez-se para dar origem a um único caminho. Possuía cerca de cem metros de comprimento. Andejava lentamente através do mesmo. Para a minha direita, quem eu seria como shinigami. À esquerda, quem eu seria como um traidor da Soul Society. Perdoar os erros do passado do Sereitei, ou fazê-los se afogar neles? A decisão soava óbvia, mas não era tão simples assim. Aquelas imagens eram ilusões que tentavam persuadir-me através de minha própria mente, um absurdo. As ignorei, enquanto ia de encontro direto ao homem desfigurado, que se encontrava logo ao centro de ambos os caminhos. Ao invés de tomar a decisão para ir em algum dos lados, queria tomar a minha decisão. Uma decisão que nem mesmo uma extensão da própria alma poderia imaginar.

— "Eu já tomei a minha decisão, Black. Para me livrar dessas correntes, não posso estar em um lado. Eu devo agir somente por mim mesmo. Somente por aquilo que eu acredito, e devo seguir. Sem mais truques, sem mais ordens, sem mais deveres. Farei aquilo que me vier à mente. Eu já sei qual caminho devo trilhar. E não me importo com o que você acha sobre isso." — Ditei ao homem.

— "E qual seria o seu caminho, Noritoshi? Quer viver como um palhaço e se esconder como um covarde nos confins do mundo? Não o faça, então. Estará se envergonhando por nada." — Retrucou.

— "A partir deste momento...Eu não sou mais Shinigami. E também não sou Hollow. Quem eu sou ou o que virei a me tornar pouco importa. Eu não pertenço a nenhuma dessas raças imundas. A partir de hoje, serei somente Noritoshi Sunken, nada mais. Uma alma perdida neste mundo decadente. Um alguém que não está no Céu e nem no Inferno, e sim entre eles." — Expliquei.

Black então visualizou um semblante quase assassino em meu olhar. Demonstrou-se extremamente surpreso, pois realmente não fazia ideia de que eu chegaria ao ponto de renegar a minha própria carne e origens. Porém, após alguns instantes, sorriu. Ele parecia satisfeito.

Informações:

—  Eu não precisava dizer mais nada. Como uma extensão de meu espírito, mais do que todos, Black sabia o que estava sentindo naquele momento. Portanto, virou-se de costas, e a estrada por detrás de mim fora reduzida a um montante de absoluto nada. O meu mundo interior parecia se estabilizar. A escuridão dissipou-se, e um céu claro, sem nuvens, com um poderoso sol acima se irrompeu além dos limites do oceano de minha alma. Possuíam ondas calmas em sua vastidão etérea, e a ilha parecia ser muito maior do que antes. Agora, era habitada por todo tipo de animal silvestre, e incontáveis ruínas podiam ser vistas através de sua extensão. Era uma manifestação literal das profundezas de minha alma. Cada centímetro daquele lugar imaginário parecia tão real quanto o mundo verdadeiro o qual eu habitava. Black então pediu para que eu o seguisse. Adentramos na floresta que se encontrava ao centro da ilha, perdidos na selvagem mata esmeralda.

— "O que está pretendendo fazer, Black? Não vá me dizer que está sem ideias." — Ditei.

— "Parece que chegou a hora, Noritoshi. Eu não tenho mais motivos para continuar confiscando o que é seu por direito. Já se fazem novecentos anos desde que me chamou pelo meu verdadeiro nome, não é?" — Deu uma leve risada. — "Você se encontrou no mundo, e agora sabe quem és. Se este é o caminho que deseja trilhar, eu devo apoiar. Está pronto para assumir essa responsabilidade." — Finalizou.

Então, após alguns minutos de travessia, alcançamos uma planície, que ao centro, continha um grande templo. Era bizarro: Não possuía paredes, e sim enormes mandíbulas em seu interior. Nas extremidades, o templo era sustentado por pilares formados de instrumentos musicais. Seu teto havia sido pintado com uma obra de arte renascentista, e tudo ao seu redor parecia se acinzentar, pouco a pouco. Eu reconhecia aquele lugar, de quase mil anos atrás. Onde eu descobri a verdadeira natureza de meus poderes pela primeira vez.

O Santuário Malevolente.

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—  Aquele santuário não era somente uma anomalia de minha alma, ou um resquício de meu passado. Aquela deformidade cósmica que mais se parecia com a entrada para o próprio inferno era a verdadeira natureza de meu ser, aquilo que me moldou com o mais puro ódio. Porém, na época, eu fui incapaz de compreendê-lo, e o rejeitei mesmo após provar, por alguns instantes, de seu poder. Mas agora, o santuário se encontrava pleno, completo. Após ser capaz de me encontrar e abandonar as feridas do passado, ele se revelou para me entregar o seu verdadeiro nome, e conceder-me o poder que há tanto tempo venho ansiando em reconquistar. As bocas fétidas e sempre abertas pareciam deixar saliva escorrer dentre seus dentes, enquanto os pilares de instrumentos tocavam, por conta própria, harmonias caóticas. Black então aproximou-se do construto maldito, se colocando logo a frente da boca principal, enquanto reiatsu era canalizada na mesma.

— "O Santuário Malevolente...Este é o reflexo mais puro de sua alma, Noritoshi." — O encapuzado ditou, colocando o palmo destro sobre um dos gigantescos dentes da boca maligna. — "Ele estava dormente há mil anos pois você o rejeitou, graças ao seu antigo e patético senso de justiça. Era um cachorro cego pela falsa esperança de um mundo melhor. Não há perspectivas de mudança, Noritoshi. O mundo é o mesmo, e continuará sendo. Nada importa...A menos que alguém ouse desafiar a corrente do destino." — Ele ditou.

Então, rachaduras começaram a consumir o templo malévolo, literalmente, de pouco a pouco, o fazendo ruir. Tudo isto com apenas um mero toque da palma de Black, que parecia estar propositalmente transformando a estrutura maléfica em algo a mais. Permaneci no local, observando, com um olhar sério. Eu estava preparado para recebê-lo: Todo o mal que reside em minha alma, agora seria desperto.

A fúria.
O ódio.
A desgraça.
O rancor.

Os sete pecados, e tudo o que há de mais sombrio. Estavam ali, contidos na minha caixa de Pandora pessoal.
Mas não mais. Era hora de se libertarem. As consequências eram irrelevantes. Tudo o que me importava, era eu mesmo.

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—  O Malévolo construto maldito de minha alma ruiu, e todo o solo ao redor fora transformado em uma cratera. Abaixo dela, um oceano de sangue. Junto de Black, eu caí para a imensidão do abismo formado, com meus pés pousando sobre a água carmesim ao final. Era viscosa, como sangue coagulado. Porém, a minha frente, os detritos que formavam o templo se transfiguraram para uma única coisa: Uma única batuta, ferramenta principal dos Regentes Orquestrais - Os maestros. No meu caso, para que a sinfonia da morte pudesse ser tocada em sua plenitude. No fundo de minha alma amaldiçoada, a música ainda reinava. O tempo parou. As águas, ventos, tudo. Então, o homem desfigurado tomou a batuta em sua mão direita, e aproximou-se de mim.

— "Pegue-a. Este é o seu verdadeiro poder, Noritoshi. Não te esqueças jamais." — Ditou. — "Diga as palavras." — Finalizou.

De imediato, levei o meu braço direito até o corpo do homem encapuzado, ao invés de tomar a batuta em minhas mãos. Ele começou a desintegrar-se, de pouco a pouco. Seus olhos negros brilharam, e todo o ambiente ao redor estava começando a perecer. As memórias do passado vinham à tona, e o nome enigmático da Bankai enfim era gravado em minha mente. Um nome proibido: Uma Bankai proibida, renegada. Utilizada somente uma vez na história passada por um breve momento, somente para sua voz ser silenciada para sempre. Mas agora, éramos um. Eu e Black nos fundimos, e tudo soou tão suave quanto o canto dos pássaros. Uma explosão de luz. No fim, nada restava. Somente nossos pensamentos.

"Diga as palavras", ele ordenou. Eu bem sabia disso, Black. Eu não mais precisaria implorar pela sua ajuda, ou falar para que ficasse fora de meu caminho. Éramos um só, eu e você. Isto se deve porque...

— "Bankai." — Meu pensamento ressoou, através dos ecos da escuridão eterna.

...Eu sou a lâmina.

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