Os dias se passam de forma lenta quando não há o que se comer, quando não há quem encontrar para contar sobre as conquistas no final do dia, afinal, conquistas não passam de uma ilusão onde eu moro. Um beco em meio ao Distrito 72, norte de Sereitei é o lugar que chamo de lar, caixas de madeira e uma lona de cor amarela me cobriam da chuva, durante anos segui sozinho, buscando pequenos prazeres que aquele mundo morto podia oferecer. Dias abençoados me proporcionaram uma alma tão sofrida quanto a minha, para partir o peso da sobrevivência, um amigo que me acompanhava quando vivo havia chegado, Agamura Koyoshi, encontrei com o mesmo em uma de minhas saídas, seu estado era deplorável assim como o de todos no 64, mas ainda sim era um alívio encontrar com um conhecido. Os dias se passavam e minha indignação pelo descaso conosco só aumentava, minha vontade? roubar toda e qualquer "familiazinha de raça" que não se dispôs a ajudar, dito e feito, diversas aventuras justas, mas que muitos consideram ilegais me proporcionaram o dinheiro para sobreviver mais um dia naquele purgatório, sempre acompanhado de Agamura claro.

Cada vez mais nossa ambição aumentava, e a cada dia mais um distrito próximo do grande centro era explorado por nós, com a indignação dos ricos a atenção dos oficiais foi aumentando e a segurança dos locais próximos foi apertando, nossas técnicas foram se aperfeiçoando e assim fomos sobrevivendo.

Distrito 9, nunca havia ido tão longe, o maior cuidado dos moradores me obrigava a avançar em regiões mais ricas e arriscadas, o medo de Agamura o impediu de seguir mais adiante comigo, e assim nos separamos, um senhor bem vestido seguia caminhando pelas ruas, parecia despreocupado e focado em seus pensamentos, a situação perfeita, seguindo devagar na diagonal traseira do senhor fui procurando algum objeto de valor, percebi uma bolsa de veludo cor esverdeada amarrada com um laço cor dourada, parecia ser algo valioso, com a mão direita me agacho e junto um pouco de areia, com a esquerda seguro a bolsa a arrancando de onde estava presa, jogando a areia no rosto do homem e assim saio correndo, virando a alguns metros em um beco. A adrenalina era imensa, não sabia o porque meu coração batia tão forte, havia feito isso milhões de vezes, meu instinto pulsava de forma assustadora enquanto corria pela viela escura, foi em um piscar de olhos, o homem estava ali, a 3 metros de mim e com um sorriso em seu rosto, fui recebido com uma rasteira e um olhar despreocupado.

- Bom dia jovem, o senhor tem algo que me pertence.

O homem com um agarrão me eleva a alguns metros do chão e me arremessa para uma parede, o mesmo coleta a bolsa e saí caminhando, meu instinto grita alertando do perigo, porém minha mente impulsiva e orgulhosa me induz a agir, corro e procuro desferir um soco, o homem bloqueia com um sorriso ainda maior, desferindo as seguintes palavras:

- Hm, vejo que o senhor tem sede de batalha, que tal uma aposta han?! Se ganhar em uma luta o senhor pode levar todo o meu dinheiro, agora, se por acaso perder, precisa se alistar para a Gotei 13.

Meu sorriso ganancioso se abre ao escutar o homem, alguns passos para trás e uma postura me prepara para a luta, o homem com a guarda aberta aguarda meu golpe, um soco direto é previsto, porém procuro-o enganar com um chute anteriormente, o homem toma o golpe de forma suspeita, porém não parecia estar ferido de modo algum, me afasto procurando outra oportunidade de ataque, o mesmo não parecia estar aprontando nada ofensivo, estranho... Sigo correndo de forma direta e ao me aproximar do homem dou um salto em direção a parede com os pés de forma a me alavancar e surpreender o senhor, um soco bem em seu queixo me faz imaginar a vitória, porém...

- Hahahaha! muito bem jovem, o senhor tem talento, mas agora...

Uma pressão repentina me faz cair no chão decorando as paredes e o solo do beco com rachaduras e pequenos detritos, minhas últimas lembranças é de observar o homem agachando em minha frente e dizendo.

- Lhe espero amanhã, soldado.

Escuridão...

Como prometido sigo em direção a academia em Seireitei no dia seguinte, talvez a comida e um salário regular já fosse bom o suficiente, porém foi mais que isso, após entrar na Gotei 13 fui recebido pelo homem pessoalmente, seu uniforme me assustava, Capitão da Sexta Divisão, Baishiki Ahara, o mesmo me encaminha para sua divisão conduzindo a partir daí minha evolução.


A criação e manifestação de Onna se fez presente em meio a raiva e desespero como nunca havia sentido antes em meu peito.
"- Coloque um sorr... sorriso nesse r.. rosto soldado... deixo meu legado em suas m.. em suas mãos."

Com essas palavras a chama da criação fez dar a vida ao espírito que chamo de companheira hoje...

Mas vamos dar um passo atrás e entender os acontecimentos que levaram a essa situação que ecoa em minha mente de forma diferente hodiernamente.

Seireitei, Sexta divisão da Gotei 13, 468 anos atrás. Meu treinamento contínuo e árduo resultou em uma forma quase perfeita junto a um estilo de combate simples devido a falta de uma zanpakutou, utilizando apenas uma asauchi como arma buscava alcançar meus companheiros de divisão, apesar de sempre estar em uma possivel "desvantagem". A falta de habilidades como shikai ou bankai me favoreceram de certa forma naquele tempo, muitos estavam focados em aprender poderes místicos e esqueciam da própria arte do zanjutsu, me fazendo triunfar após alguns anos nessa situação.

Meu mestre Baishiki Ahara com seu sorriso calmo e confortante buscava moldar minha mente ignorante e teimosa, porém eu não entendia isso, diversas vezes fui excluído de missões em campo devido a minha falta de vontade em treinar a mente e o coração, sendo recebido sempre com a frase que só fui buscar entender anos depois:

"- Você é forte Ohta, sua forma física e habilidades com a espada estão impecáveis, porém sua mente e coração se preenchem com caos e nébula".

Durante anos convivi passando por provações que não percebia, Ahara me convocava para uma simples xícara de chá em seu jardim colorido e bem cuidado, minha sede de combate latente e cegante sempre estranhava como um espírito com aquele tipo de poder podia ser tão pacífico e aparentar ser indefeso. Seu sorriso e palavras de sabedoria conseguiam de certa forma acalmar minha mente conturbada e caótica, talvez aquele espaço vivo e abundante em diversas cores fosse um reflexo da alma de seu cuidador. Com o passar dos anos , nossa relação se aprofundava e minha visita a seu jardim se tornava quase como uma terapia, além de me mostrar um ponto de vista totalmente divergente do meu com relação as situações mais variadas que se apresentavam em minha vida.

324 anos atrás... O dia em que o balançar do véu ecoou e atingiu minha. Uma missão de resgate de um grupo grande de almas no mundo dos vivos com a inspeção de Ahara, o dia chuvoso e nublado resultava em ruas desertas e encharcadas. Somente eu, o capitão e mais 2 shinigamis estávamos presentes quando aconteceu, foi tão rápido que meus olhos nem foram capazes de captar, um som de lâmina junto ao de carne abriam espaço para uma das cenas mais grotescas que já presenciei, a cabeça de meus companheiros arremessadas ao chão distante junto a seus corpos já sem vida, de repente outro som, dessa vez duas lâminas colidindo e uma rajada de vento que me arremessa a distância, ao me recompor observo Ahara e um outro ser disputando em meio ao tempo chuvoso, em breves momentos que meus olhos conseguiam acompanhar, observo um buraco no peito direito do indivíduo, "Um hollow?! Não... é algo diferente, sua presença grita sangue e violência." penso comigo mesmo, uma presença parecida porém menos pesada se faz presente ao meu lado esquerdo já com sua espada apontada e um cigarro em seus lábios, citando as seguintes palavras com um tom de desprezo:

"- Finalmente a oportunidade que queríamos chegou, o rei vai ficar contente em saber que acabamos com mais um pilar da medíocre Gotei..."

Com um rápido movimento o Hollow busca me acertar com sua arma, em um piscar de olhos observo Ahara entre mim e a morte, me defendendo do corte com sua espada e recebendo um golpe no ombro direito do outro inimigo, mesmo nessa situação o mesmo olhou para mim e disse com aquele mesmo sorriso que sempre me recebeu:

"- Levante soldado, seu amigo precisa de você."

Aquelas palavras atingem meu ânimo de uma forma diferente, o medo de perder um irmão desperta em mim algo, e assim escuridão… Após uma experiência inimaginável que contarei em detalhes outro dia retorno ao mundo humano, minha percepção de tempo esta totalmente destoada, porém o importante é que se passaram somente alguns segundos. Olho para minha zanpakutou e digo em um tom firme:

“- Kuchisake!”  No mesmo instante uma grande pressão faz os hollows recuarem a alguns metros, confusos com o acontecimento. Uma negra névoa de coloração indigo cobre minha zanpakutou, modificando totalmente seu formato e tamanho, já em pé ao lado de meu mestre que me observa com um sorriso orgulhoso digo as seguintes palavras:

"- Já estava na hora... Vamos."

Ao mesmo tempo que tomamos posição de ataque uma grande pressão espiritual é direcionada aos hollows que visivelmente experienciaram medo, talvez o orgulho ainda lhes mantinham de pé, ou talvez um medo maior do julgamento de seu chefe, não importa agora, meus olhos agora de cor rosa claro, exalando uma pequena neblina refletiam foco e objetividade, minha mente se tornava clara e organizada, como o pequeno jardim de Ahara.

A batalha ocorreu durante alguns minutos, e o momento final havia chegado, o grande sangramento no ombro direito de meu mestre lhe drenava força vital de forma intensa e constante, a necessidade de movimento só piorava o inevitável, e o mesmo sabia disso, em um momento decisivo que observo Ahara perdendo a luta contra seu inimigo busco auxilia-lo, o outro hollow percebe a abertura e busca me desferir o ultimo golpe, novamente, Ahara entre eu e a morte, porém dessa vez nenhum sorriso,  só o som do sangue gotejando o chão encharcado e sua ultima frase...

"- Coloque um sorr... sorriso nesse r.. rosto soldado... deixo meu jardim em b.. boas mãos..."

Morte... A queda do capitão da sexta divisão Baishiki Ahara havia chegado. A lâmina perfurando seu peito é retirada e seu corpo cai em meio a água e sangue.

Momentos imediatos que duram a vida toda, observando meu capitão caído, de uma forma que nunca vi me enche de raiva e sede de vingança, minha pressão espiritual força os Hollows a caírem ao chão, pressionados, não... pressão espiritual não... algo diferente. Agarro o corpo de meu mestre e volto as pressas a Seireitei, dessa vez a chegada que era recebida antes com agradecimentos e sorrisos se torna sombria e assustadora, o corpo de Ahara em meu ombro junto a uma poça de sangue escarlate que denunciavam a morte de um capitão...