Quando olho para trás eu me pergunto se faz sentido estar onde estou hoje. Ao menos, quando comparado à história de diversos outros companheiros, tenho dúvidas quanto o meu propósito como capitão.

“Por que eu?” Eram as primeiras palavras que escapavam de meus lábios secos quando me foi noticiado o dever de suceder Igarashi Aika, a antiga Capitã da Sétima divisão. “É a vontade da Capitã sendo cumprida. Uma carta foi deixada com a recomendação e uma assinatura do reiatsu de Igarashi no documento evidenciava sua veracidade”. Uma reposta rápida e seca. Após o inexplicável desaparecimento de diversos nomes dentro da Sereitei, incluindo o próprio Comandante das 13 Divisões, minha Capitã foi uma das vítimas. Pessoalmente, eu sabia que ela confiava em mim e que também era a única que tinha conhecimento pleno de minhas habilidades, mas, mesmo como seu Tenente, não esperava sucede-la tão cedo. Engoli um seco pensando que, além de sua indicação, outros tantos aprovaram meu nome para o cargo, conforme a prática comum requeria. Além dela, eles me conheciam de alguma forma? Provavelmente não, Aika apenas tinha uma grande influencia por suas habilidades ou tempo como capitã e sua indicação teve seu peso sobre a opinião dos outros; ao menos era o que me confortou ao pensar sobre tantos olhares poderosos sobre meu nome.

Quando penso na razão como entrei em meu caminho para ser um shinigami ou mesmo na minha história de vida me parecia injusto tomar um cargo de tão alto nível. Talvez para capitães que herdassem a seda branca que cobre seus haoris devido a seu sangue azul fosse um fator de orgulho, mas minha família estava à beira da nobreza, sendo assim não era o meu caso.

Filho de uma família da baixa nobreza, nosso papel era servir. Não que isso fosse ruim; hoje sei da situação das almas nos distritos mais distantes do centro de Rukongai e, como uma criança nascida com tudo que fosse necessário para se desenvolver, nunca tive do que reclamar. Ao menos não quando se tratava de bens materiais ou alimentação, o que já era muito. Por outro lado, a relação que minha família manteve nunca foi das melhores. Meu pai era uma pessoa que dava muito de si em seu papel dentro do mundo das almas, mas que nunca se importou em ser muito amoroso. Minha mãe era alguém que tentava demonstrar algum afeto, mas que sempre falhou em sua realização. Meus dois irmãos e minha irmã... Tão distante quanto os progenitores. De sua maneira própria acabávamos sendo criados para seguir nossos caminhos sem trazer uma imagem negativa à família, recebendo sempre os meios para isso.

Meu caminho se difere do restante da família quando ainda em minha juventude um evento inesperado me sobrevinha. Durante uma noite como qualquer outra um sussurro gélido e distante me despertava. Seu conteúdo era indecifrável, entretanto seu timbre, inesquecível. Após aquele sonho eu nunca mais seria o mesmo. Com o decorrer dos dias era visível a maneira como minha saúde lentamente definhava sem explicação alguma. Minha cabeça fervia em ardor, porém minhas pernas e braços sofriam do efeito contrário. Minha pele se tornava cada vez mais pálida e fria ao toque. Em cinco dias eu mal conseguia me levantar. Quando se pensa bem, uma criança nesse estado de saúde estaria fadada a morte em alguns cantos da Soul Society, mas, enquanto meu pai falhava em ser um suporte emocional, ele nunca deixou de agir pelo nosso bem.

Seus contatos conseguiram que uma Capitã em pessoa se fizesse presente para avaliar meu estado. Quando ninguém conseguiu diagnosticar a razão de sintomas tão extremos, uma amiga de minha mãe sugeriu que tentássemos contato com a divisão médica do Gotei 13. Meu pai era uma pessoa de bons relacionamentos, por mais irônico que isso soe, mas a Capitã que nos visitou não pertencia à divisão médica, mas à sétima divisão. Igarashi Aika, minha futura mentora, foi quem salvou minha vida.

Sua solução foi gravar no topo de minha nuca um selo. Ela nunca explicou à minha família sua razão para aquilo, mas disse que tudo ficaria bem. E ficou, ao menos por um tempo. Em poucas horas os sintomas que me acamavam passaram, mas a temperatura de meu corpo se manteve incomum. Ao toque, o que antes era tão comum a qualquer outro ser naquele lugar, agora era frio. Não frio como um corpo sem vida, mas perceptivelmente frio quando comparado aos outros. Incomum, porém aquilo não alterava o curso de minha vida e com o passar das semanas voltei a minha rotina. Anteriormente, o adoecimento foi apenas um retorno, uma curva que logo me traria de volta ao meu caminho inicial; o que se apresentava a mim agora era a convergência de dois caminhos que não me permitiram tornar a ser aquilo que um dia eu já havia sido.

O frio que envolvia meu corpo agora era irradiado pelo ambiente que me cercava. Meu quarto, minha casa, até mesmo pela quadra; quanto mais próximo de minha pessoa, menor a temperatura ambiente. Não havia mais solução; Aika voltava e finalmente anunciava a minha família: “O garoto precisa de treinamento. Caso contrário, essa infortuna habilidade que acabou por recair sobre seus ombros consumirá não apenas a ele, mas a tudo que o cerca”. A juventude não foi um empecilho para que eu entendesse o peso de suas palavras, mas hoje entendo sua intenção. Desde então nunca mais voltei a ver minha família. A ideia de uma visita eventualmente me vinha à cabeça, mas logo ia embora. Já causei problemas de mais a eles, agora era melhor seguir meu caminho por minha própria conta.

A Capitã me abrigou e me direcionou para a Academia Academia Shin'ō.  O selo desenhado em minha nuca passava frequentemente por sua supervisão e apenas foi desfeito quando eu finalizei meus estudos e fui oficialmente registrado como um membro do sétimo esquadrão. Minha vida na academia foi comum, porém curta. Nunca tive muitos amigos; acredito que minha timidez foi algo que impedia as pessoas de se aproximarem, mas quando o faziam, ficavam. A bondade expressa por Aika conseguiu se transmitir através de mim. Entretanto, como citei a pouco, minha jornada acabou cedo na academia. Alguns diziam que por manipulação de minha capitã pelos bastidores, mas, sendo essa ou não a razão, minhas habilidades sempre foram notáveis por entre os alunos.

A voz que anteriormente me atormentou desapareceu até que eu finalmente alcancei o primeiro nível de minha zanpakutou. Ela... Não era normal. Demoraria muito tempo, mas um dia eu entenderia. Aquela que anda comigo, parte de minha alma, uma verdadeira metade de meu ser, quase me matara no inicio de minha vida. No dia em que me tornei apto a ser um tenente o selo foi desfeito. Já havia se passado muito tempo e, citando minha mestra, agora aquele era um peso que eu deveria lidar por conta própria; uma parte de mim que eu deveria aprender a controlar. Talvez controle não fosse a palavra correta a ser empregada aqui, mas esse foi outro caminho que eu demorei a entender.

Agora, como sucessor direto de minha mestra sentia novamente um peso recaindo sobre meus ombros. Ser tenente significa ter deveres a cumprir e uma equipe a liderar, porém, significa também ter alguém a responder. Como capitão as decisões são minhas. Devo responder a alguém, porém é minha obrigação manter meus subordinados em segurança enquanto todas minhas decisões afetarão diretamente o equilíbrio da Seireitei. O que me resta descobrir é se essa é uma tarefa que conseguiremos administrar.