Era um errante de passos sem rumo, com um castelo colossal às suas costas. O céu escuro iluminado pelo tênue brilhar do luar, acendia as areias do Hueco Mundo e seu caminho. A sombra da fortaleza gigante estava já quase deixando de alcança-lo, e os infindáveis grãos do deserto seriam seus únicos companheiros por léguas e mais léguas. Kayn acreditava-se um errante, mas na verdade sua viagem indefinida tinha um objetivo. Vasto Lordes..., pensou monológico. Os mais formidáveis Hollows que existiam, raros na mesma medida que poderosos. A ordem dos Espadas necessitava deles.

Por mais desolador e incomensurável que parecesse, o Hueco Mundo já havia sido povoado por outros núcleos de Hollows antes do surgimento de Las Noches, o que não fazia incomum avistar pilastras e torres de pedra branca escapando dos montes de areia, como farpas numa tora. Era hostil, como seus habitantes. Não poderia haver lugar mais coerente, constatou contemplativo.

Boa parte de seus dias fora caminhar, deparar-se com destroços e ruínas de assentamentos Hollows há muito extinguidos, e prosseguir em busca de vida. A geografia irregular do deserto, ora o presenteava com planícies sem horizontes, ora com vales entre promontórios de areia, com bolsões de areia movediça à espreita de seus pés. Certa vez, em um vale tão profundo que colocava a bambear sua noção da topografia do Hueco Mundo, Shieda Kayn fora pego num sonho.

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Tinha uma escuridão homogenia a frente, tão predominantemente obscura que pensou por um momento que ele próprio fazia parte dela. Julgou ter ficado ali por horas, mas o tempo nos sonhos eram tão incompreensível e indefinido, que poderia ter ficado apenas escassas dezenas de segundos imerso na escuridão. Quando viu luz, ela veio acompanhada de uma voz, uma repreensão.

— Não lhe esperei nove meses para isso. — Era a voz da mãe, estridente e dura. Um tabefe acompanhou a reprimenda, e ele fechou os olhos para não vê-lo. Preferira a escuridão. — Irá retornar aos seus estudos e ao colégio, e sem quaisquer objeções. Se fugir novamente, seu pai ficará sabendo. — Ela o alertou. Mesmo tomada pela atmosfera lúdica, a cena remontava um real acontecimento, que ocorrera quando Kayn não tinha mais do que doze anos. Havia sido a primeira vez que evadira-se das imediações do colégio, que ele costumeiramente referia-se como uma prisão.

Na segunda vez, esperou pelo cair da noite, para atravessar por entre os zeladores na surdina e desaparecer pela floresta circundante do terreno. Tinha treze e tinha pressa. Avisou aos colegas de quarto que iria partir, e para sempre. Os olhos esbugalhados dos três surgiram nítidos a ele, como se a cena estivesse sendo remontada novamente. Não deu certo novamente, e ele conheceu o "Abismo", um sala escura e fria, que ficava nos fundos da área de serviço, mal cabiam duas pessoas ali. A primeira sentença dada, decretara de que ele ficaria lá por vinte quatro horas, o que o fez, ingenuamente, julgar que aguentaria. Quando sentiu a parede gelada atrás de si, com uma noite de seis graus negativos do lado de fora, adoeceu relutantemente. Suas pernas começaram a tremer, já seis horas ininterruptas de pé. Odiou, odiou e odiou. Amaldiçoou os pais e os superiores, o mundo e a própria vida, e por fim fechou os olhos, implorando à escuridão por socorro.

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Ela o respondeu, invertendo a sensação esperada de desolação por uma de aconchego, afago. Onde os alheios imaginavam que Kayn encontrava-se em luto, na verdade ele se revigorava. Até daquela vez... Viu o jogo de cenas alterar-se mais uma vez, e os primeiros indícios do vislumbre a caminho, foram inconfundíveis. Era bonita, de cabelos escuros e lisos, pele branca quase pálida, e sinais pelo corpo, muitos, como uma pintura abstrata feita inteira de círculos. Alguns achavam pouco atraente, mas não Kayn. Anasus... Fora o palíndromo que dera a ela em sinal de estima, um código secreto que só os dois sabiam, para fugirem das perguntas invasivas dos colegas de classe. A timidez dela fazia-o se sentir um desbravador, sempre obrigando-o a arremessar a corda de tração num andar mais alto da montanha sem cume que ela era. Quando tentava se aproximar, se esquivava, reclusa e envergonhada. Mas, ele não desistia.

Certa vez, ela o contou que o pai havia sido promovido, e devido a isso iriam partir. Quando viu que era impotente naquela situação, ele a beijou, um beijo roubado cheio de dor e angustia, mas com tanto amor e ternura quanto. E correu.

Agora, olhando em perspectiva, Kayn devia tê-la convencido a fugir com ele. Era tão ousado e rebelde, mas, quando mais precisou ser, falhou. Subiu o quarto num rompante de fúria, e fechou a porta num solavanco, entregando-se mais uma vez as trevas. Dessa vez, com lágrimas.

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