O clima frio desse lugar me agrada. O mundo humano é tão grande e diverso que as vezes nem um shinigami, com a capacidade de viver milhares de anos, consegue conhecer tudo. A vista era bela: uma cidade com poucos prédios no horizonte, uma grande quantidade de árvores e o que parecia ser um grande lago esverdeado ao fundo. O sol se punha ao oeste, colorindo os céus em um alaranjado vivo e dali, de cima de do que parecia ser alguma construção comercial, o vento gelado soprava meu rosto.

A décima segunda divisão recebera um alerta de desaparecimentos no local. Sendo uma cidade pequena era possível que esse tipo de acontecimento começaria a trazer problemas que vão além da compreensão dos humanos. Apesar de ter ciência de que deveria estar me preparando para minha viagem ao Hueco Mundo os radares haviam detectado, além dos desaparecimentos, uma poderosa pressão espiritual vinda da cidadezinha. Duas equipes menores haviam sido enviadas para investigar a fonte da reiatsu não identificada e nenhuma das duas retornaram. O pensamento de que estávamos perdendo cada vez mais oficiais começava me incomodar cada vez mais. Era clara em minha cabeça nosso propósito como ceifadores da morte e era natural pensar que estávamos sempre a um piscar de olhos de uma infindável noite de sono, mas perder aliados era algo que não entrava com facilidade em minha cabeça.   

Considerações:

Com a falta de respostas e o alerta de desaparecimento dos nossos decidiram que seria importante elevar o nível da missão e, consequentemente, encaminhar oficiais de menor nível não seria mais possível – e muito menos viável.  Sendo assim me ofereci para seguir ao mundo humano investigar e bom, aqui estou.

Um dia inteiro rondando o local não parecia o suficiente. Estar no mundo humano não era um dos meus principais hobbies, porém por uma vez depois de tanto tempo era interessante assisti-los vivendo suas vidas. No final das contas, apesar de possuirmos diferentes propósitos no tecido da existência, não parecíamos tão diferentes. Enquanto o sol cruzava o céu era possível vê-los andando de um lado para o outro na cidade; jovens com suas mochilas rumavam a suas escolas, carros cruzavam a cidade, pais carregavam suas crianças. Era estranho poder observar com tanta... calma. Apesar de nós, shinigamis, sermos seres quase que estritamente feitos para o combate era necessário, ao menos de vez em quando, parar e respirar um pouco. Nos últimos meses, com todo o caos rondando todos os planos de existência começava a parecer difícil até respirar. Era como se estivéssemos sufocando cada vez mais, nos perdendo em nós mesmos.

O sol já havia dado espaço para a lua brilhar no céu e minha estadia naquele dia parecia infrutífera para a investigação. Aos poucos me levantava e visualizava melhor a cidade que agora se enchia de luzes quando finalmente pude sentir o ar vibrando de uma maneira incomum. Meu primeiro instinto seria buscar a fonte imediatamente, mas não era necessário. O que quer que fosse estava bem ali, atrás de mim. O que me restava saber era qual seria seu próximo passo.

Considerações:

Bom... – Anunciei em alta voz. – Não sei qual sua experiência com shinigamis... Mas esse manto branco significa que eu não sou tão fácil assim de surpreender. – Finalizei me virando para identificar o possível inimigo.

– Sabe, isso não importa. No final, surpresos ou não, todos eles caem! – Ouvi em resposta ao meu aviso. Um arrancar. Não parecia muito velho, porém sua aparência não significava muito. Hollows passavam centenas de anos consumindo uns aos outros para evoluir e, com aquele nível de reiatsu, ele dificilmente seria jovem. O garoto possuía uma pele quase pálida, seu cabelo claro caia até a altura de suas orelhas e seu único olho a vista quase reluzia em azul. O segundo olho estava coberto pelo que seria sua máscara, que se estendia a praticamente um quarto de seu rosto, coberta com padrões que pareciam listras de um tigre.

– Então você é o responsável pelos desaparecimentos nessa cidade. O hueco mundo está tão tedioso assim pra você precisar vir até o mundo humano para causar desordem? Temos muito que fazer, acredito que sua espécie poderia começar a cooperar, afinal, vocês não são mais tão irracionais assim. – Tentei argumentar já tendo noção de que não sairia dali sem sangue nas mãos.

– Bom, capitão... Vocês shinigami se acham muito superiores, mas assim como os outros você logo não vai ter muito o que fazer nesse mundo! – Ele finalizava já se lançando em minha direção. Suspirei. – Parece que nem toda espécie tem como principal objetivo sua preservação - Anunciei em um tom irônico já sacando a zanpakutou da bainha.

Considerações:

Faíscas voaram com o primeiro encontro das espadas. Seu olhar emitia uma aura incomum; por alguma razão ele não parecia ter um motivo para estar naquele combate, o que me levava a pensar que ele também não apresentava razão alguma para ter abatido os shinigami que anteriormente haviam estado ali para investigar os desaparecimentos humanos e, muito menos uma razão cabível para eliminar os humanos.

– Vamos lá garoto, não precisamos lutar. Apenas... Prometa que você vai parar com a bagunça no mundo humano e eu finjo que nem mesmo te vi aqui. – Tentei argumentar uma segunda vez, o que pareceu ofendê-lo. Ele não se deu o trabalho de responder e no mesmo segundo me arrependi de ter tentado. Seu olhar se estreitou e sua expressão pareceu esfriar. Suspirei mais uma vez. Em um movimento rápido o arrancar forçou minha espada para trás, logo usando seu sonido para se mover em um piscar de olhos até minha direita e investir novamente, repetindo o golpe anterior. Apesar de rápido, sua ação não era um desafio. Me virei enquanto ele se aproximava, mais uma vez interceptando seu ataque. – Quero que entenda que agora não podemos mais voltar atrás. – Finalizei disposto a cumprir meu papel ali da maneira mais fria possível. Enquanto as espadas ainda se cruzavam recuei poucos centímetros, dando espaço para que eu o acertasse com um chute no lado direito do tronco. Ele pareceu entender o ataque, mas não teve reação para contestar e foi lançado a alguns metros. Sua expressão agora era de raiva. Talvez a união de minhas palavras não tão dóceis com o ataque realmente o afetaram. Isso talvez era um sinal de que ele realmente tinha muito a amadurecer. Apesar de ser um hollow acredito que quando eles se tornam arrancars sua evolução é bem próxima a de um shinigami. Seria uma pena ter de finalizar uma vida que era, aparentemente, tão nova.

Minha expressão se endureceu quando o ar mudou mais uma vez. A mudança era impressionante quando se comparada a chegada do arrancar. Enquanto a poeira que antes cercava o garoto era afastada pelo vento uma luz azulada agora era lançada sobre o ambiente tendo como fonte o mesmo lugar onde o garoto se encontrava. Resurrección, pensei. Mudança no padrão de emissão de reiatsu, a luz azulada... Antes mesmo que eu pudesse finalizar meu raciocínio a poeira era cortada por uma energia azul escura em minha direção. – Cero! – Ouvi enquanto o ataque voava em minha direção. Em um momento meu corpo se transportava para metros do ataque, porém meu shunpo parecia não ser suficiente para desviar do garoto. Com uma velocidade consideravelmente maior do que anteriormente ele se aproximava, agora em uma forma completamente nova, e, com um chute, me lançava a metros de distância. Analisando sua nova aparência por um segundo pude notar que seu corpo agora era tomado por um material escuro, que parecia lhe dar uma maior resistência e, pelo ataque anterior, força física também. No local onde sua máscara repousava agora uma chama azul emanava, mantendo os padrões que se desenhavam na máscara.

Com o acerto um sorriso aparecia no rosto do garoto. Não um sorriso de auto aprovação ou algo do tipo, mas de um típico monstro. Ao que tudo indicava ele realmente estava ali realmente atrás da dor e da morte. No final das contas suas ações realmente não tinham uma razão. Talvez minha expressão indicava minhas análises mentais ao garoto e ele não me daria tempo para pensar. Em um segundo ele se colocou frente a mim e, tentando ataca-lo pelas costas usei do shunpo uma vez mais para surpreendê-lo, mas não era o suficiente. Como quem lia meus movimentos ele se movimentou tão rápido quanto anteriormente e, com um golpe ainda mais preciso me lançou a metros de distância. Suspirei. Ao que tudo indicava seu estilo de combate não seria fácil de lidar para alguém como eu. Limpei o pouco sangue que descia pelo lado esquerdo de meu rosto e suspirei novamente. Não gostaria de liberar minha Shikai, mas talvez eu não pudesse derrota-lo apenas com minha zanpakutou selada. Estava pronto liberar o primeiro selo quando pude ouvir em alto e bom som meu nome sendo chamado.

Considerações:

“Yuichi!”. Meus olhos arregalaram em sobressalto. “Você deve superar seus limites. Acredita que pode ser um capitão cedendo assim tão facilmente?”. A voz era impossível de não se reconhecer, apesar do tom mais elevado do que de costume. A mistura de ironia com motivação era uma de suas assinaturas pessoais e, mais uma vez ela utilizava dela como forma de buscar que eu fosse além. Sorri de canto de boca. – Seria isso você buscando que eu evolua ou simplesmente não querendo me ajudar na batalha? – Sussurrei em um tom tão irônico quanto para ver novamente o cero azul escuro sendo emitido em minha direção. Mais uma vez desviei, para então ver o arrancar se aproximando uma vez mais para me golpear. Em um piscar de olhos uma barreira esbranquiçada surgia em minha volta segurando seu ataque, que era seguido por mais um e por outro, que fazia aos poucos a barreira tremer. Utilizando do shunpo aproveitei um de seus ataques para tentar atingi-lo novamente por trás, o que funcionou, porém sua resistência a meu ataque físico era claro como a água. O garoto agarrou minha perna com uma das mãos e aproveitando de sua força para me lançava em direção a parede do que parecia ser a entrada do prédio. Suspirei. Caso continuasse daquela forma não seria capaz de continuar lutando por muito tempo; eu nunca fora dos mais resistentes. O que me restava era utilizar de minhas forças. Vi novamente o arrancar se aproximando e me afastei, porém em um segundo novamente ele estava ao meu lado. Era hora de me exceder, mesmo que isso significasse lidar com as consequências depois. Enquanto recitava um encantamento me movia em um segundo para trás do inimigo, que realizava a mesma ação, porém, dessa vez, era minha vez de me colocar em posição de ataque. Seu ataque mantinha o padrão anterior, porém dessa vez, meu shunpo me afastava poucos metros dele, me colocando frente a frente com o inimigo. –  Bakudou N. 61: Rikujoukouro! – Bradava fitando seus olhos azuis enquanto um flash de luz seguia em direção ao garoto, seguido de outros que buscavam interceptar sua movimentação por um momento. – Sinto muito garoto. Hadou N. 73: Souren Soukatsui! – Finalizava enquanto fitava seu rosto, que agora parecia emitir uma expressão que unificava medo e espanto. A enorme quantidade de energia azulada era emitida na direção do hollow que não parecia ser capaz de reagir a imobilização.  

Quando a maior massa de energia se dissipou apenas as marcas do ataque restavam sob a superfície de concreto do lugar. A julgar pela maneira como ele lutava suas forças eram contrárias as minhas – enquanto o combate físico não é minha maior força, parece que os ataques místicos eram mais efetivos contra ele. Senti um aperto na altura do estômago enquanto raciocinava. Apesar do sucesso era claro o dano que eu havia tomado, além ter alcançado meus limiares em um combate. – Espero que sua alma encontre o caminho da luz, garoto.  – Encerrava então meu papel ali dando as costas para a cidade e iniciando meu retorno para a Soul Society.

Considerações: