A ponta acuminada da foice atritava contra o carpete recém forrado de Las Noches, como a garra de um demônio rebelde, rasgando-o como se de seda fosse feito. No piso de pedra branca, a arma deixava impressões irregulares, linhas sinuosas e curvas que ficavam para trás, à media que a Sexta Espada movia-se para frente. Quem quer que vislumbrasse a rota tracejada, saberia que Shieda Kayn estivera ali. É bom que saibam, resmungou para si.

Desde que havia ascendido a guarda de elite do Rei do Hueco Mundo, percebia uma necessidade pungente em impor-se perante aos demais de sua espécia. A posição elevada na hierarquia Hollow, trouxera consigo cobiça e perigos que o espreitavam como animais necrófagos ao derredor de uma carcaça recém abatida, e como permanência segura, adotou uma postura alterosa, inflexível e austera. Se me temerem, não irão me desafiar. Os resquícios da primeira traição que sofrera ainda ecoavam em seu âmago, norteando, sem que percebesse, todas as decisões que tomava.

Enfim, o ruído desagradável da extremidade pontuda da foice escorchando o piso cessou. Alguém estava à sua frente; pequeno, rosto sem cor, feito de osso. Trajava branco e silêncio, distintivos que o identificava como um dos inúmeros servos do castelo. Vê-los sempre o trazia lapsos de sua vida passada. A nobreza de nada me serviu daquela vez, esbravejou monológico.

– Kayn-sama. – O chamou.
– Kayn – corrigiu, desprezando o título honorável – O que é? – O subalterno não pôde ignorar o lastro do vandalismo deliberado do jovem Espada para com o solo do palácio, mas nem sequer cogitou em questiona-lo sobre aquilo, apenas observou estupefato. O Shieda acompanhou o olhar. – Algum problema?
– N-não senhor. Recebemos informações de que dois Hollows menores adentraram os portões da fortaleza, sem serem convidados ou requisitados. Pediram para que avisassem aos Exequias.
– Ótimo, é da competência deles problemas como esses. – Rosnou. O serviçal desapareceu às pressas por um dos vãos do corredor e o caminho de Shieda Kayn estava desobstruído novamente.

Dois... refletiu. O que essa dupla de desmiolados tem em mente? Com La Sombra de volta a marcar o chão, desviou do caminho que outrora seguia, e desceu por uma escadaria à sua esquerda. Os passos não faziam som, ao contrário da foice, que arranhava os degraus estrepitosamente, mas não os impressionava como anteriormente. A penumbra do topo aos poucos era substituída por um negrume crescente quanto mais próximo do térreo se aproximava. De alguma forma sabia onde procurar pelos dois invasores.

Em um determinado ponto, o palácio era tão escuro que o simples andar tornava-se uma tarefa ardilosa. Alguém despreparado poderia pisar ou tropeçar em um desses objetos. Não estavam a vista devido a escuridão, mas vários pilares e esculturas se enfileiravam no saguão em que estava. Ele próprio não podia ser visto, sendo camuflado pelo ambiente completamente lúgubre que escolheu percorrer.

Ouviu cochichos sutis vindo à sua direita um pouco depois de aterrissar. Ora ora... Como se a escuridão e ele fossem um, desapareceu do ponto em que estava e alcançou a origem do falatório à boca miúda em segundos. Com o cabo da foice, contundiu o primeiro alvo com que colidiu, que voou imediatamente para seis metros de distância com o impacto. As trevas eram tão profundas, que nenhum dos três conseguia se ver nitidamente, ainda que os dois forasteiros soubessem da gravidade e do risco que corriam agora.

O olho maligno de La Sombra cintilou, vermelho rubro, intenso. Um ponto sangrento e demoníaco no negrume.


Um assombro tomou a dupla de assalto.

– P-p-por fa-v-v-or, não nos mate. Piedade, Kayn-sama, piedade. N-n-ós.. – O sujeito que não não fora acertado pelo rompante começou a implorar.
– Matarei os dois pela audácia. – Emitiu o ultimato.
– Não, por favor, não. – Reiterou as suplicas. – F-f-fomos ordenados a entrar.
– C-cala a boca, Neretto. – O atingido tentou calar o comparsa, numa entonação combalida mas firme. Como ousa!? Aquilo o incomodou.
– Devem estar loucos... – Os dentes fecharam-se, pressionados e cerrantes. Estava furioso. – Ordenados? Quem ordena vocês senão eu ou os outros espadas!? – A pupila maligna de La Sombra fitava-os sedenta. Era a única luz naquela vasta escuridão.

A resposta veio após longos segundos de silêncio, e Shieda Kayn não sorriu ao ouvi-las...

Considerações:

Técnicas Usadas:

Status:

Zanpakutō:

Cólerico, agarrou ambos pelo colarinho e os arrastou escadaria acima, com um fervor furioso exalando incessante. Devia tê-los eliminado lá embaixo, era o esperado de alguém como ele, mas as alegações que ouvira da boca dos dois intrusos o tinham acendido uma perigosa sinalização. Dois idiotas covardes como esse jamais teriam a audácia de se enfiarem em Las Noches se não houvesse algum tipo de garantia que os protegesse, pareceu-lhe lógico que algo mais os dois desafortunados estavam omitindo.

Retornou ao corredor que havia estado inicialmente. Em ambos os flancos, os vãos se amontoavam entre as pilastras, frestas sombreadas e rotas secretas. Vai servir. Atirou a dupla de capturados em uma das entradas laterais nos corredores, e pôs-se frente a eles. Tremiam, podia ver, sabiam que a foice de Kayn poderia ser a última coisa que testemunhariam.

– De novo, quem deu ordens para que invadissem o palácio? – Impôs medo. Aquele chamado de Neretto pôs-se logo a responder:
– N-nós... – Pausou, quem sabe numa tentativa de elaborar uma história falsa.
– Responda! – Gritou.
– Fomos enviados para entregar um presente a vossa graça, o Rei dos Hollow. – Suavizou o tom ao dizer o pronome de tratamento. Os olhos da Sexta Espada se estreitaram em desconfiança.
– Presente de quem? Mostre-me. – Mesmo enxergando-os pouco, podia ver que estavam tensos, principalmente o tal Neretto. Tinha um corpo redondo e uma feição retangular e achatada, com olhos esbugalhados e amarelos e uma vestimenta cinza e sem corte, que ia até seus pés. Do dorso avantajado, o Hollow retirou uma saca de pano, que tilintou quando apoiada ao chão. Moedas? Não eram humanos, por que haveria de ofertar aquilo para o Rei de Las Noches?

Na fugaz ação de fitar o conteúdo mostrado por Neretto, o outro Hollow aproveitou para fugir, usando a esquerda como rota de escape e desaparecendo com seu Sonido. Droga! Agarrou a arandela de La Sombra e ficou o gume da arma entre a túnica de Neretto e o chão de pedra lisa.

– Se fugir daqui, eu irei encontra-lo, esfacelar seu corpo e distribuir o que restou pelas ameias do palácio. Me entendeu? – Ameaçou em tom comprometido. Não estava sendo leviano.

Através de sua velocidade natural, deslocou-se na direção que o invasor fugitivo havia seguido. Para sua sorte, o longo corredor estava vazio, ter espectadores assistindo seu fracasso não o agradaria. Desaparecia e aparecia, sempre dezenas de metros a frente. Tinha certeza que o insignificante Hollow não tinha mais desenvoltura física do que ele. Vou encontra-lo, seu vermezinho.

Precisou flanquear por um local mais movimentado, e sua velocidade atípica chamou a atenção dos presentes. Fingiu ignora-los, entretanto, e acelerou ainda mais a corrida. Para sua infelicidade e frenesi, àquela caçada levaria quase uma hora inteira para ser concluída, quando o Hollow, de forma infeliz, decidira pausar para reaver as energias. Escolheu uma saleta, próxima a área em que os serviçais do castelo armazenavam os utensílios de limpeza. Patético, constatou o observando de longe. De onde estava, conseguiria matar o energúmeno com único golpe. E ele nem se daria conta...

Surgiu num salto, atrás do Hollow esguio e descarnado, com rosto espichado e pontudo. Um firme e incontestável pontapé desacordou-o num átimo, mas sem mata-lo. Hmpth, fugir de mim? Cai na real.

Considerações:

Técnicas Usadas:

Status:

Zanpakutō: